Cena simples e
tocante: um homem de semblante sereno, uma mulher muito jovem vestida de
transparência e uma criança remexendo-se nas palhas, pedindo atenção e carinho.
“Muitas vezes e de muitos modos Deus falou outrora aos nossos pais pelos
profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho a
quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também ele criou o
universo”.
A cena do
nascimento de Deus não se repete. Lucas descreveu-a com pormenores
delicados e símbolos eloquentes. Ora, mesmo que nem tudo tenha sido histórico,
tudo é expressivo, não pela linguagem da racionalidade e da ciência, mas pelo
falar dos símbolos. Há a singeleza dos pastores, seu olhar curioso e sua santa
“naïvité”: olhos arregalados, bastão na mão, sorriso aberto. O evangelista fala
de animais: boi e burro. De repente volta o paraíso. Céus e terra se misturam
com anjos… E Maria ia guardando essas coisas no fundo do coração, tentando
entende-las, acolhendo a revelação de coisas tão simples. E há essa luz sobre a
casa do menino. Essa luz que vai guiar os passos de misteriosos personagens que
chamamos de Magos e que vieram de longe, com o corpo suado e os pés
empoeirados, que vão chegar para presentear o Deus que nasceu entre os homens.
No meio de tudo, uma voz do alto está a nos dizer: “Tu és o meu Filho, eu hoje
te gerei…”.
E desde então
não cessa a procissão dos que buscam o presépio do frágil menino. São pessoas
que andaram bebendo de muitas águas e ainda têm sede na garganta. São esses e
essas que experimentam no fundo de seu ser e nas dobras de seu coração a
necessidade de buscar uma luz que permita ver o sentido da caminhada, do
casamento, da família, da vida e da morte. Chegam aos bandos, param, descansam,
lutam, associam-se a outros, consultam as páginas das Escrituras e quando
chegam diante da cena do presépio simples ficam extasiados com um Deus que veio
ser nosso companheiro.
Francisco, o
de Assis, aquele que nasceu na Idade Média, queria que nesse dia a gente pegasse
nacos de carne e esfregasse nas paredes para que elas soubessem que é festa,
festa do nascimento de Deus. Queria ele ainda que os governantes da terra
dessem dupla ração aos animais dos campos e aos pássaros dos céus. Esse mesmo
Francisco, o de Assis, toma em suas mãos o Menino das Palhas e dança a dança da
alegria porque Deus se tornou pobre e despojado e não há outro caminho
para a felicidade, a não ser a trilha aberta por esse menino que se tornou uma
frágil criança no presépio e um condenado à morte no alto da cruz.
Hoje, diante
do presépio, estarão os simples e os singelos: essas crianças embevecidas com o
nascimento da criança, esses homens e mulheres adultos que chegaram ao fundo do
poço e querem olhar nos olhos de um Deus criança que não pisa, não condena, mas
vem sorrir nossos sorrisos, chorar nossas lágrimas e ser Deus conosco.
“A Deus,
ninguém jamais viu. Mas o Unigênito de Deus que está na intimidade do Pai, ele
no-lo deu a conhecer”.
Frei Almir Ribeiro Guimarães
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