
Muitos sonham
com uma vida sem leis nem regras, sem proibições ou ordens, uma vida totalmente
livre de qualquer obrigação ou norma. Para esses, também a religião deveria ser
livre de mandamentos, pois julgam que estes seriam resquícios de uma época
marcada pelo atraso cultural, pelo medo e por uma visão infantil da vida. Tais
sonhadores de uma fé sem dogmas, de um cristianismo sem leis, e de um Cristo
sem cruz, perguntam: "Afinal, Jesus não veio nos libertar de toda escravidão
ou opressão? Não é ele o libertador?"
É o
libertador, sim, mas nem por isso deixou de falar de sacrifício (“Quem quiser
me seguir, renuncie a si mesmo”), de porta estreita (só passa por ela quem se
desapega de si mesmo e do pecado) e de doação ("Amarás ao Senhor teu Deus
de todo o coração e ao próximo como a ti mesmo") como norma de
comportamento. Além disso, deixou claro que não veio abolir a Lei ou os
Profetas: "Não vim para abolir, mas para cumprir" (Mt 5,17).
Precisamos
compreender que os mandamentos não são simplesmente um peso desagradável que,
quanto antes, devemos tirar de nossos ombros. Jesus veio nos ensinar o sentido
das leis e nos mostrar que, diante do plano de amor de seu Pai, não basta uma
obediência externa e formalista. Ser cristão é muito mais do que seguir uma
série de leis, normas e prescrições; é seguir uma pessoa, isto é, o próprio
Jesus Cristo, fazendo de suas palavras e de seu comportamento o fundamento de
nossa vida.
A liberdade
nos dá a possibilidade e a responsabilidade de escolher entre o bem e o mal. Os
mandamentos nos ajudam a escolher o bem. Um pai/ uma mãe que ama seu filho, sua
filha, não quer que eles sofram, se machuquem ou se prejudiquem de algum modo.
Por isso, antecipa-se a possíveis problemas, prevenindo-os e orientando seus
filhos. Nascem, como fruto dessa preocupação, constantes advertências:
"Não ande com más companhias! Estude! Não corra depois do almoço!" Os
filhos são livres. Poderão aceitar ou não as ordens do pai/ da mãe.
Aceitando-as, terão que se privar de certas coisas que lhe parecem ser muito
agradáveis e desejáveis. Com o tempo, aprenderão que, ao renunciar a elas,
livraram-se de inúmeros problemas.
Poderá
acontecer também que os filhos se sintam por demais tolhidos e se rebelem
contra as advertências paternas. Desejosos de escolher seu próprio caminho, e
não aceitando "perder a liberdade", começam a fazer o que querem.
Perguntemo-nos – sabendo antecipadamente a resposta: passarão a ser, então,
realmente, livres? Encontrarão a realização desejada?
Segundo a
visão cristã, a lei expressa o projeto de Deus que é Pai e que quer o melhor
para seus filhos. Por isso mesmo, antes de expressá-la por palavras, o Criador
as escreveu na intimidade do coração de seus filhos e filhas. Descobrir, pois,
o valor dos mandamentos, é um gesto de sabedoria; interpretá-las à luz do amor,
é uma graça. Com o tempo perceberemos que os mandamentos encerram um projeto de
vida e são fonte de paz para quem os assume.
Jesus nos
ensinou a não sermos escravos da lei. Uma pessoa escraviza-se a ela quando fica
somente no plano da obediência, sem amor, ou quando se prende tão somente à
letra do que é prescrito. Tomemos, a título de exemplo disso, o 5º mandamento,
que diz para "não matar". Ele nos proíbe tirar a própria vida e a vida
de qualquer pessoa. Mas vai além: nos ensina a cuidar da saúde, a promover a
vida daqueles que, sozinhos, não conseguem superar suas limitações, a tomar a
defesa dos desprotegidos, a lutar contra a poluição, a batalhar em favor da
ecologia etc. Também os demais mandamentos contêm todo um programa de vida. Seu
conjunto nos apresenta um caminho da realização pessoal e comunitária. Por não
acreditar nisso, nossos contemporâneos, que tanto desejam ser livres, vivem
presos às suas próprias inquietações e escravidões. Quem não segue os
mandamentos, prende-se a ídolos.
Em síntese: os
mandamentos não são placas de proibições, mas setas de indicação. Segui-los é
fazer uma experiência de amor e de liberdade.
Dom Murilo S.R. Krieger, Arcebispo de
Salvador (BA)