Colar o rótulo
de bom ou mau, no fundo, é o ofício humano mais frequente, aberto diante de
cada um de nós diariamente, ou melhor, a cada minuto de nosso cotidiano. Se
usamos aquela camisa, se vamos ou não vamos a algum lugar, se falamos ou se
calamos, se comemos bife com fritas ou sem elas, nos departamentos mais nobres
e nos mais prosaicos, não fazemos outra coisa a não ser navegar entre aquilo
que nos parece o bem ou o mal, o necessário ou o supérfluo, o devo ou o não
devo.
Foi o caso do
cidadão que parou o carro na estrada para tomar café e viu que, nos fundos do
bar, havia uma briga de galos. Habituado a jogar, quis fazer uma aposta, mas
não tinha elementos suficientes para julgar os contendores, um galo vermelho e
outro preto. Tomou informações com um espectador que lhe parecia entendido,
perguntando qual era o galo bom.
- O preto, respondeu o sujeito, com a convicção de quem era dono da verdade.
O sujeito
jogou uma grana forte no galo preto e ficou torcendo pelo contendor que lhe
garantiram ser o bom. Contendor que não correspondeu àquilo que chamam de
expectativas: foi devidamente surrado pelo galo vermelho, e só não morreu
porque o dono jogou a toalha no ringue, tirando-o da luta.
Bem, só
restava ao sujeito reclamar da informação recebida.
- O senhor me fez perder dinheiro, dizendo que o galo preto era o bom…
- Foi o que o senhor me perguntou. Agora, o malvado era o vermelho…
Toda a disputa, seja religiosa, política, econômica, esportiva, cultural ou científica, é resumida nessa anedota, que me parece mais do que uma fábula, mas um destino, uma decorrência da condição humana.
Por
coincidência, os galos da anedota compunham o mesmo confronto que Stendhal
colocou no seu romance mais famoso: “O Vermelho e o Negro”. A lição é a mesma.
Extraído da
“Folha de S. Paulo”
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