Francisco
teve vida curta. Um pouco mais de quarenta anos. Esse Francesco era
filho de um novo rico, um certo Pedro de Bernardone. Nasceu num espaço de rara
beleza, ou seja, nessa Úmbria italiana de flores, cheias de viço e de florestas
verdejantes, nesse espaço de música, de delicadeza, de cortesia, de
beleza, nessa Assis que sempre será recordada como a terra de Francesco, do
Poverello. Esse jovem queria tudo: as glórias da guerra, o olhar de ternura das
moças para com as quais se mostrava cheio de cortesia, a afeição
dos amigos com os quais cantava pelas ruelas de Assis.
No auge de sua
juventude experimenta, no fundo do coração, uma nostalgia não sabia de
que… As festas deixavam de fazer vibrar seu coração. Seus
amigos não encontravam explicação para aquilo que se
passava em seu interior. Pensavam até que tivesse arranjado uma
namorada, que estivesse apaixonado. Que estivesse enfermo de paixonite. De
fato, parecia doente esse jovem de Assis.
Aos poucos ele
vai clarificando as coisas num lento e dolorido processo de
discernimento. Primeiro é essa saudade de alguma coisa que não sabe o que
é. Depois essa sensação de fragilidade, de não ter em mãos o fio de
sua existência. De estar como que sem mapa de caminhada. E ele podia
dizer:
“Foi
extremamente duro para mim. Tinha tudo e nada tinha. Um vazio fora se
cavando dentro do meu peito. Garganta seca e coração cheio de indagações.
Andava a esmo, olhando as flores que pareciam menos belas. Não tinha
muita vontade de conviver, de cantar... era como se eu estivesse num beco sem
saída. Foi um ser humano todo chagado e fétido que me fez começar a
descobrir um caminho. As coisas começaram a mudar quando encontrei o
leproso. Não podia ver esse tipo de gente. Sentia náuseas, vontade de
vomitar. Esse ser todo despedaço chegou perto de mim e eu o
abracei. Um gosto amargo que antigamente tinha na garganta quando via
essa gente se transformou em doçura… Pouco depois desse abraço deixei o modo
que eu tinha de viver e me dei conta que ele, o Altíssimo andava circulando em
torno de mim… Tudo começara com o beijo do leproso. Andei por aqui
e por ali. Verdade que, na loja de meu pai, eu já tinha
experimentado um carinho especial pelos pobres… era Deus trabalhando meu
interior, trabalhando dentro de mim… Reconstruí igrejinhas em ruínas e comecei
a me sentir atraído pelos lugares ermos e silenciosos. Era o Altíssimo
colocando sua mão sobre mim… E houve esse Crucifixo de São Damião que me olhava
com seus olhos negros como o negro mar, pedindo que eu
reconstruísse a aquela capela e a Igreja… Mas só compreendi
bem essas coisas mais tarde. Fi-lo com gosto. Tornei-me pedreiro, mas sempre
com saudade de Deus, esperando que ele me dissesse o que eu deveria fazer
de minha vida. Nas grutas Cristo foi se aproximando de mim
sem que eu me desse conta. Foi chegando de mansinho… E eu sempre com aquela
pergunta: ‘O que queres de mim?’ Não sabia dizer outra oração senão
esta: ‘Grande e Magnífico Deus iluminai as trevas de minha alma, dai-me
uma fé integra, uma esperança firme e uma caridade perfeita. Concedei meu
Deus que eu vos conheça muito para poder agir de acordo com a vossa santíssima
vontade’.
Fui deixando de lado o que pudesse impedir
meu seguimento de Cristo… Devo dizer que fiquei sempre impressionado com esse
Altíssimo e Onipotente Senhor que se tornara uma criancinha frágil e
um condenado abandonado no alto de uma cruz… Essas coisas me
desconcertavam… Fui compreendo que Deus grande se fizera pobreza,
simplicidade, humildade, proximidade. E fui me apaixonando pela pobreza
que foi a veste do Filho de Deus. Isso para mim se tornou
fundamental. O caminho pelo qual Deus veio ao homem foi o do despojamento
e da pobreza. Ora, não havia dúvidas para mim: eu tinha que ser
esposo da Pobreza, aquela dama bela e grande que havia desposado o Filho do
Homem. Pobreza de meus caprichos, meus quereres, minha vontade de
brilho e de poder… esvaziamento de mim mesmo. Fui me tornando uma
criatura livre… leve e senti uma fortíssima atração por irmãos que eu
conhecia sem conhecer… a irmã água, o irmão fogo, o irmão lobo, o irmão
ladrão, a irmã brisa… e esses homens que foram chegando e quiseram
viver como eu vivia… Que festa para meu coração… Sempre gostei
quando as pessoas diziam… Frei Francisco… Irmão Francisco… os irmãos de
Francisco…
Na capelinha de Nossa Senhora dos Anjos
escutei a palavra decisiva… Ir pelo mundo, missionar, dois a dois, sem
nada, a não ser com a pobreza e a confiança em Deus… tornar amado o Amado.
E lá fomos eu e meus irmãos… e assim passei a minha vida… vivendo rico das
coisas que Deus foi me dando… restituindo ao Senhor o bem com o bem… cantando
sempre a cantiga da gratidão… alegre por estar cercado de irmãos… Meu
grande segredo foi este: encontrei o Evangelho e, por graça de Deus, não
perdi nenhuma de suas palavras”.
Frei Almir
Ribeiro Guimarães