quinta-feira, 4 de outubro de 2012

#FicaAdica 37



A vida não pode ser medida e nem calculada, pois ela é doação, explosão de amor que brota da vontade do seu Criador. Se é breve ou longa, vai depender de cada momento, de cada dia, da intensidade com que a vivenciamos. E somos nós que a fazemos intensa quando a acolhemos diariamente como um grande presente, quando desfrutamos seus encantos e enfrentamos as dificuldades que se nos apresenta em cada curva do caminho.

A tão sonhada e almejada felicidade vai sendo construída numa existência marcada pelo sentido de fazer o que deve ser feito, de se criar espaço e intervalos para apreciar as belezas da criação, para saborear um delicioso café na companhia de pessoas amadas, para desfrutar de momentos marcantes e inesquecíveis. É preciso abertura e cordialidade para acolher os mensageiros que chegam trazendo as boas novas que preenchem de sentido nossos corações!

Frei Paulo Sérgio

Francisco de Assis, louco de amor



Francisco  teve vida curta.  Um pouco  mais de quarenta anos. Esse Francesco era filho de um novo rico, um certo Pedro de Bernardone. Nasceu num espaço de rara beleza, ou seja, nessa Úmbria italiana de flores, cheias de viço e de florestas verdejantes,  nesse espaço de música, de delicadeza, de cortesia, de beleza, nessa Assis que sempre será recordada como a terra de Francesco, do Poverello. Esse jovem queria tudo: as glórias da guerra, o olhar de ternura das moças  para com as quais se mostrava cheio de cortesia,  a afeição dos amigos com os quais cantava pelas ruelas de Assis.

No auge de sua juventude experimenta, no fundo do coração,  uma nostalgia não sabia de que… As festas deixavam de  fazer vibrar  seu coração.  Seus amigos  não encontravam  explicação  para aquilo que se passava  em seu interior. Pensavam até que tivesse  arranjado uma namorada, que estivesse apaixonado. Que estivesse enfermo de paixonite. De fato, parecia doente esse jovem de Assis.

Aos poucos ele vai clarificando as coisas num lento e dolorido processo de discernimento.  Primeiro é essa saudade de alguma coisa que não sabe o que é.  Depois essa sensação de  fragilidade, de não ter em mãos o fio de sua existência.  De estar como que sem mapa de caminhada. E ele podia dizer:

“Foi extremamente duro para mim.  Tinha tudo e nada tinha. Um vazio fora se cavando dentro do meu peito. Garganta seca e coração cheio de indagações. Andava a esmo, olhando as flores que pareciam menos belas.  Não tinha muita vontade de conviver, de cantar... era como se eu estivesse num beco sem saída.  Foi um ser humano todo chagado e fétido que me fez começar a descobrir um caminho.  As coisas começaram a mudar quando encontrei o leproso. Não podia ver esse tipo de gente.  Sentia náuseas, vontade de vomitar.  Esse ser  todo despedaço chegou perto de mim e eu o abracei.  Um gosto amargo que antigamente tinha na garganta quando via essa gente se transformou em doçura… Pouco depois desse abraço deixei o modo que eu tinha de viver e me dei conta que ele, o Altíssimo andava circulando em torno de mim… Tudo começara com o beijo do  leproso.  Andei por aqui e por ali.  Verdade que, na loja de meu pai, eu já  tinha experimentado um carinho especial pelos pobres… era Deus  trabalhando meu interior, trabalhando dentro de mim… Reconstruí igrejinhas em ruínas e comecei a me sentir atraído pelos lugares ermos e silenciosos. Era o Altíssimo colocando sua mão sobre mim… E houve esse Crucifixo de São Damião que me olhava com seus olhos negros como o negro mar,  pedindo que eu reconstruísse  a aquela capela e a Igreja…  Mas só compreendi  bem essas coisas mais tarde. Fi-lo com gosto. Tornei-me pedreiro, mas sempre com saudade de Deus, esperando que ele me dissesse o que eu deveria fazer de  minha vida.  Nas grutas  Cristo foi se aproximando de mim sem que eu me desse conta. Foi chegando de mansinho… E eu sempre com aquela pergunta:  ‘O que queres de mim?’ Não sabia dizer outra oração  senão esta:  ‘Grande e Magnífico Deus iluminai as trevas de minha alma, dai-me uma fé integra, uma esperança firme e uma caridade perfeita.  Concedei meu Deus que eu vos conheça muito para poder agir de acordo com a vossa santíssima vontade’. 

Fui deixando de lado  o que pudesse impedir meu seguimento de Cristo… Devo dizer que fiquei sempre impressionado com esse Altíssimo e Onipotente  Senhor que se tornara uma criancinha frágil e um  condenado abandonado no alto de uma cruz… Essas coisas me desconcertavam… Fui compreendo que  Deus grande se fizera pobreza, simplicidade,  humildade, proximidade. E fui me apaixonando pela pobreza que foi a veste do Filho de Deus.  Isso para mim se tornou fundamental.  O caminho pelo qual Deus veio ao homem foi o do despojamento e da pobreza.  Ora, não havia dúvidas para mim:  eu tinha que ser esposo da Pobreza, aquela dama bela e grande que havia desposado o Filho do Homem.  Pobreza  de meus caprichos, meus quereres, minha vontade de brilho e de poder… esvaziamento de mim mesmo.  Fui me tornando uma criatura livre… leve e senti uma fortíssima atração por irmãos que eu conhecia sem conhecer… a irmã água, o irmão  fogo, o irmão lobo, o irmão ladrão, a irmã  brisa… e esses  homens que foram chegando e quiseram viver  como eu vivia…  Que festa para meu coração… Sempre gostei quando as pessoas diziam… Frei  Francisco… Irmão Francisco… os irmãos de Francisco…

Na capelinha de Nossa Senhora dos Anjos  escutei a palavra decisiva… Ir pelo mundo, missionar,  dois a dois, sem nada, a não ser com a pobreza e a confiança em Deus… tornar amado o  Amado.  E lá fomos eu e meus irmãos… e assim passei a minha vida… vivendo rico das coisas que Deus foi me dando… restituindo ao Senhor o bem com o bem… cantando sempre a cantiga da gratidão… alegre por  estar cercado de irmãos… Meu grande segredo foi este:  encontrei o Evangelho e, por graça de Deus, não perdi nenhuma de suas palavras”.

Frei Almir Ribeiro Guimarães