quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O bosque


Tempos atrás eu era vizinho de um médico, cujo “hobby” era plantar árvores no enorme quintal de sua casa.Às vezes, observava da minha janela o seu esforço para plantar árvores e mais árvores, todos os dias. O que mais chamava a atenção, entretanto, era o fato de que ele jamais regava as mudas que plantava. Passei a notar, depois de algum tempo, que suas árvores estavam demorando muito para crescer.

Certo dia, resolvi então aproximar-me do médico e perguntei se ele não tinha receio de que as árvores não crescessem, pois percebia que ele nunca as regava. Foi quando, com um ar orgulhoso, ele me descreveu sua fantástica teoria. Disse-me que, se regasse suas plantas, as raízes se acomodariam na superfície e ficariam sempre esperando pela água mais fácil, vinda de cima. Como ele não as regava, as árvores demorariam mais para crescer, mas suas raízes tenderiam a migrar para o fundo, em busca da água e das várias fontes nutrientes encontradas nas camadas mais inferiores do solo. Assim, segundo ele, as árvores teriam raízes profundas e seriam mais resistentes às intempéries. Disse-me ainda, que frequentemente dava uma palmadinha nas suas árvores, com um jornal enrolado, e que fazia isso para que se mantivessem sempre acordadas e atentas.

Essa foi a única conversa que tive com aquele meu vizinho. Logo depois, fui morar em outro país, e nunca mais o encontrei.

Vários anos depois, ao retornar do exterior fui dar uma olhada na minha antiga residência. Ao aproximar-me, notei um bosque que não havia antes. Meu antigo vizinho, havia realizado seu sonho! O curioso é que aquele era um dia de um vento muito forte e gelado, em que as árvores da rua estavam arqueadas, como se não estivessem resistindo ao rigor do inverno. Entretanto, ao aproximar-me do quintal do médico, notei como estavam sólidas as suas árvores: praticamente não se moviam, resistindo implacavelmente àquela ventania toda.

Que efeito curioso, pensei eu...

As adversidades pelas quais aquelas árvores tinham passado, levando palmadelas e tendo sido privadas de água, pareciam tê-las beneficiado de um modo que o conforto, o tratamento mais fácil, jamais conseguiriam.

Todas as noites, antes de deitar, dou sempre uma olhada em meus filhos. Debruço-me sobre suas camas e observo como têm crescido. Frequentemente oro por eles. Na maioria das vezes peço para eu suas vidas sejam fáceis: “Meu Deus, livre meus filhos de todas as dificuldades e agressões desse mundo...”

Tenho pensado, entretanto, que é hora de alterar minhas orações. Essa mudança tem a ver com o fato de que é inevitável que os ventos gelados e fortes nos atinjam e aos nossos filhos. Sei que eles encontrarão inúmeros problemas e que, portanto, minhas orações para que as dificuldades não ocorram têm sido ingênuas demais. Sempre haverá uma tempestade ocorrendo em algum lugar. Portanto, pretendo mudar minhas orações. Farei isso porque, quer nós queiramos ou não, a vida não é muito fácil.

Ao contrário do que tenho feito, passarei a orar para que meus filhos cresçam com raízes profundas, de tal forma que possam retirar energia das melhores fontes, das mais divinas, que se encontram nos locais mais remotos.

Oramos demais para termos facilidades, mas na verdade o que precisamos fazer é pedir para desenvolver raízes fortes e profundas, de tal modo que, quando as tempestades chegarem e os ventos gelados soprarem, resistiremos bravamente, ao invés de sermos subjugados e varridos para longe.

Do Livro “Sabedoria em Parábolas”, Prof. Felipe Aquino

As nossas misérias


“O homem nascido da mulher vive poucos dias e é oprimido de muitas misérias”. Esta é a sorte que nos fez o pecado. Ouvi os gemidos de toda a humanidade cuja figura era Job: “Pereça o dia em que nasci e a noite em que se disse: Um homem foi concebido! Porque não morri no seio de minha mãe, ou não pereci quando vim ao mundo! Por que me teve ela em seus braços e me criou nos seus peitos? Agora, dormirei em silêncio, e descansarei em meu sono” (Jó 14,1; 3,3.11-13).

Mas sobre esta grande miséria se levantava já a aurora de grandíssima esperança: “Sei que meu Redentor vive: e que serei de novo revestido de minha carne e nela verei o meu Deus; hei de vê-lo e meus olhos o contemplarão” (Jó 19,23-27)

Desde logo tudo muda: aquelas dores, antes sem consolação alguma, unidas às do Redentor não são mais do que uma penitência necessária, uma prova de justiça e de misericórdia, um gérmen de eternas alegrias.

Cristo, nosso Redentor, abriu, por sua morte, o céu ao homem decaído, que, por graça única, pedia à terra uma sepultura. E nós poderíamos nos queixar dos sofrimentos a que Deus reserva tão grande prêmio? Murmuraríamos quando pelas tribulações se digna Jesus Cristo associar-nos aos méritos de seu sacrifício?

Senhor, reconheço minha cegueira, minha ingratidão, e nada mais quero desejar neste mundo que ter parte em vossa paixão, a fim de ser um dia participante de vossa glória. Desta hora para sempre sede vós o senhor desta alma, o morador pacífico dela. Iluminai meus olhos, meu bom Jesus, para que sempre vejam a sua suavidade e brandura desse vosso coração, e, preso, de vossa formosura, tudo o mais não tenham em mim entrada.

Do Livro “Imitação de Cristo”

Leitura Bíblica: Lucas 11, 1-4


Jesus disse: “Quando rezardes, dizei: ‘Pai, santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino. Dá-nos a cada dia o pão de que precisamos, e perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também perdoamos a todos os nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação’” (Lc 11,2-4)

Como são numerosas e intensas as riquezas da oração do Senhor! São coligidas em poucas palavras, mas de uma densidade espiritual inesgotável, a ponto de nada faltar neste resumo perfeito do que deve constituir a nossa oração. Está escrito: «Orai assim: Pai Nosso, que estais nos céus».

O homem novo, que nasceu de novo e foi conduzido a Deus pela graça, diz primeiro: «Pai», porque se tornou Seu filho. O Verbo, a Palavra de Deus, «veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam. Mas a quantos O receberam, aos que n'Ele creem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo 1,11-12). Aquele que acreditou no Seu nome e se tornou filho de Deus deve começar por dar graças e proclamar que é realmente filho de Deus. [...] Mas não basta, irmãos bem-amados, termos consciência de que invocamos o Pai que está nos céus; também acrescentamos: «Pai nosso», ou seja Pai dos que creem no Seu Filho, dos que se santificaram por Ele e nasceram de novo pela graça espiritual: esses tornaram-se realmente filhos de Deus. [...]

Quão grande é a misericórdia do Senhor, quão grandes são a Sua benevolência e a Sua bondade, para nos permitirem orar assim na presença de Deus, a ponto de Lhe chamamos Pai! Como Cristo é Filho de Deus, assim nós também somos chamados filhos. Nenhum de nós teria ousado empregar esta palavra na oração: foi necessário que o próprio Senhor nos encorajasse a isso.

São Cipriano (c. 200-258), bispo de Cartago, mártir