domingo, 27 de outubro de 2013

A Família Cristã


As leituras deste domingo nos convidam a meditar sobre algumas características fundamentais da família cristã.

A primeira: a família que reza. O trecho do Evangelho coloca em evidência dois modos de rezar, um falso – aquele do fariseu – e outro autêntico – aquele do publicano. O fariseu encarna uma atitude que não exprime a gratidão a Deus pelos seus benefícios e a sua misericórdia, mas sim satisfação de si. O fariseu se sente justo, se sente no lugar, se apoia nisso e julga os outros do alto de seu pedestal. O publicano, ao contrário, não multiplica as palavras. A sua oração é humilde, sóbria, permeada pela consciência de sua própria indignidade, das próprias misérias: este é um homem que realmente se reconhece necessitado do perdão de Deus, da misericórdia de Deus. A oração do publicano é a oração do pobre, é a oração que agrada a Deus, que, como diz a primeira Leitura “chega às nuvens” (Eclo 35, 20), enquanto a do fariseu é sobrecarregada pelo peso da vaidade.

À luz desta Palavra, gostaria de perguntar a vocês, queridas famílias: rezam alguma vez em família? Alguns sim, eu sei. Mas tantos me dizem: como se faz? Mas, se faz como o publicano, é claro: humildemente, diante de Deus. Cada um com humildade se deixa olhar pelo Senhor e pede a sua bondade, que venha a nós. Mas, em família, como se faz? Porque parece que a oração seja algo pessoal e então não há nunca um momento adequado, tranquilo, em família… Sim, é verdade, mas é também questão de humildade, de reconhecer que temos necessidade de Deus, como o publicano! E todas as famílias têm necessidade de Deus: todos, todos! Necessidade da sua ajuda, da sua força, da sua benção, da sua misericórdia, do seu perdão. E é necessário simplicidade: para rezar em família, é necessário simplicidade! Rezar junto o “Pai Nosso”, em torno da mesa, não é algo extraordinário: é algo fácil. E rezar junto o Rosário, em família, é muito bonito, dá tanta força! E também rezar um pelo outro: o marido pela esposa, a esposa pelo marido, ambos pelos filhos, os filhos pelos pais, pelos avós… Rezar um pelo outro. Isto é rezar em família, e isto torna forte a família: a oração.

A Segunda Leitura nos sugere um outro ponto: a família conserva a fé. O apóstolo Paulo, no fim de sua vida, faz um balanço fundamental e diz: “Conservei a fé” (2 Tm 4, 7). Mas como a conservou? Não em um cofre! Não a escondeu sob a terra, como aquele servo um pouco preguiçoso. São Paulo compara a sua vida a uma batalha e a uma corrida. Conservou a fé porque não se limitou a defendê-la, mas a anunciou, irradiou-a, levou-a longe. Colocou-se do lado oposto a quem queria conservar, “embalsamar” a mensagem de Cristo nos confins da Palestina. Por isto fez escolhas corajosas, foi a territórios hostis, deixou-se provocar pelos distantes, por culturas diversas, falou francamente sem medo. São Paulo conservou a fé porque, como a havia recebido, doou-a, indo às periferias sem se apegar a posições defensivas.

Também aqui, podemos perguntar: de que modo nós, em família, conservamos a nossa fé? Nós a temos para nós, na nossa família, como um bem privado, como uma conta no banco, ou sabemos partilhá-la com o testemunho, com o acolhimento, com a abertura aos outros? Todos sabemos que as famílias, especialmente as mais jovens, muitas vezes são “apressadas”, muito ocupadas: mas alguma vez já pensaram que esta “corrida” pode ser também a corrida da fé? As famílias cristãs são famílias missionárias. Mas, ontem ouvimos, aqui na Praça, o testemunho de famílias missionárias. São missionárias também na vida de todos os dias, fazendo as coisas de todos os dias, colocando em tudo o sal e o fermento da fé! Conservar a fé na família e colocar o sal e o fermento da fé nas coisas do cotidiano.

Um último aspecto recebemos da Palavra de Deus: a família que vive a alegria. No Salmo responsorial encontra-se esta expressão: “os pobres escutem e se alegrem” (33/34, 3). Todo este Salmo é um hino ao Senhor, origem de alegria e de paz. E qual é o motivo deste alegrar-se? É este: o Senhor está próximo, escuta o grito dos humildes e os livra do mal. Escrevia ainda São Paulo: “Alegrai-vos sempre… o Senhor está próximo” (Fl 4, 4-5). É… eu gostaria de fazer uma pergunta hoje. Mas, cada um leve-a ao seu coração, a sua casa, como uma tarefa a fazer, certo? E se responda sozinho. Como está a alegria na sua casa? Como está a alegria na sua família? E deem vocês a resposta.

Queridas famílias, vocês sabem bem: a verdadeira alegria que se desfruta na família não é algo superficial, não vem das coisas, das circunstâncias favoráveis… A alegria verdadeira vem da harmonia profunda entre as pessoas, que todos sentem no coração, e que nos faz sentir a beleza de estar junto, de apoiar-nos uns aos outros no caminho da vida. Mas na base deste sentimento de alegria profunda está a presença de Deus, a presença de Deus na família, está o seu amor acolhedor, misericordioso, respeitoso para com todos. E, sobretudo, um amor paciente: a paciência é uma virtude de Deus e nos ensina, em família, a ter este amor paciente, um com o outro. Ter paciência entre nós. Amor paciente. Somente Deus sabe criar a harmonia das diferenças. Se falta o amor de Deus, também a família perde a harmonia, prevalecem os individualismos e se extingue a alegria. Em vez disso, a família que vive a alegria da fé a comunica espontaneamente, é sal da terra e luz do mundo, é fermento para toda a sociedade.

 

Papa Francisco, Jornada das Famílias, Vaticano, 27/10/2013

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Prece dos humildes


Quem precisa de algo se coloca na atitude de carente ou necessitado. A demonstração de que não precisa de ajuda já bloqueia o possível favorecimento de seu pedido. Até o próprio Filho de Deus mostrou a maneira humana de se dirigir ao Pai. Ele não precisaria de se humilhar ou se colocar como inferior, por ter também a natureza divina. Se Ele deu exemplo de humildade, muito mais nós, meras criaturas humanas, temos que nos dirigir de modo completamente confiantes e mostrando nossa pequenez diante do Criador. Ao mesmo tempo, a atitude de reconhecimento da grandeza e prodigalidade dele nos impulsiona à demonstração do comportamento de filhos confiantes, como a do filho pródigo! Não à toa Jesus nos ensina a oração confiante do Pai Nosso!
Quem faz todo o esforço para realizar a vontade de Deus tem a seu favor, na oração, a demonstração de que não quer fugir de realizar sua parte para ir ao encontro do projeto do Criador a seu respeito: “Quem serve a Deus como ele quer será bem acolhido e suas súplicas subirão até as nuvens” (Eclesiástico 35, 20), Mas, quem ainda se encontra totalmente fragilizado devido à sua vida não conforme os desígnios do Senhor, deve pedir força para tentar ser melhor. Mostra a Deus suas carências e seu esforço para mudar de vida. Ele não apaga o pavio ainda fumegante e vem em socorro dos carentes que suplicam seus favores.
Quem é orgulhoso e usa da religião para se projetar, não se importando com o testemunho de vida ética e serviçal em relação ao semelhante, coloca-se à margem da fé autêntica e da oração eficaz. Na parábola do fariseu e do homem pecador Jesus dá a lição da oração válida e aceita por Deus (Cf. Lucas 18,9-14). No primeiro caso a oração é arrogante, cheia de orgulho e de desprezo pelo outro. Nâo é o fato de a pessoa fazer muitos atos religiosos, e até comungar da Eucaristia, que leva sua aceitação por Deus. Tudo isso é importante, com a condição de a pessoa ter as disposições necessárias para ser aceita por Ele. Até certas pessoas de projeção social fazem seus atos religiosos em vista de seus interesses de propaganda política e outros interesses para angariar simpatia da comunidade religiosa.
A oração do cobrador de impostos, tido como pecador, foi louvada por Jesus, por sua atitude de reconhecimento de sua pequenez, sendo verdadeiramente humilde e confiante na bondade de Deus.É importante chamarmos os humildes para suplicarem a Deus em bem da superação de tantos males e injustiças na sociedade. Muitos desmandos são feitos também por quem usa da religiosidade para trair o povo, com o mau exercício de suas lideranças. Precisamos unir os humildes para pedirmos a Deus que converta esses maus corações e tenhamos mais e melhores serviços prestados à população, que paga seus impostos e merecem ser melhor servidos em suas necessidades!
 
Dom José Alberto Moura
Arcebispo de Montes Claros (MG)
 

#FicaAdica 100



Uma poderosa ferramenta para nos ajudar a gerir com habilidade a nossa vida é perguntar antes de cada ato se isso nos trará felicidade. É muito importante lembrar que a felicidade não deve ser algo egoísta, mas um bem-estar comunitário e fraterno. Refletir ajuda-nos a ver melhor a situação e, assim, nossas ações serão mais acertadas… Não é possível uma realização, uma vitória ou momentos de alegria construídos sobre o mal ou sobre a infelicidade alheia…

O futuro se constrói sobre o presente, sobre o aqui e agora da vida! Nada garante que no futuro (imaginário) teremos uma vida melhor e mais feliz do que a que vivemos hoje. Daí a urgência de fazer as opções acertadas, de entender que é preciso compartilhar o bem hoje, conviver melhor com as pessoas hoje, buscar a Deus hoje… Tudo vai depender de nossa disposição de aproveitar cada instante e cada momento do tempo que se torna presente…

 

Frei Paulo Sérgio, ofm

 

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Leitura Bíblica: Lucas 12,35-38



Aquele que dirige a sua própria vida deve ter vigilância e cuidado com ela. Vigilância e cuidado com seus atos e suas atitudes, e nunca agir de forma irresponsável.

“Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrirem, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater” (Lc 12,36).

A Palavra de Deus, meditada hoje por nós, nos ensina que devemos ser atentos, vigilantes, cuidadosos, responsáveis com a nossa vida com as nossas atitudes. Que não conduzamos a vida de forma desordenada, desregrada ou totalmente despreocupados como se o Senhor não fosse voltar, como se o Dono da casa, o Dono da vida, como se o Dono da nossa existência não fosse, um dia, nos chamar para prestar contas do que vivemos, do que fazemos, com esse maior dom que Ele nos deu, que é a nossa vida.

O estar com os rins cingidos e com as lâmpadas acesas significa estarmos de pé, atentos. Essa atenção, que devemos ter com relação à nossa vida, recebe o nome de “cuidado”. O cuidado aqui é sinônimo de delicadeza e responsabilidade. É o cuidar de todos os nossos atos, não sendo insensatos e fazendo as coisas como se elas não tivessem consequências.

Tudo aquilo que fazemos tem uma consequência, seja a curto ou a longo prazo, para a nossa vida, para a vida dos outros e, muitas vezes, para a vida da própria humanidade.

Talvez estejamos vivendo coisas desastrosas na humanidade ou entre nós, na nossa casa, na nossa vida, na própria família, porque não fomos atentos ou vigilantes nesta ou naquela circunstância. Porque fizemos as coisas de qualquer jeito. Imagine um motorista dirigindo, despreocupado na estrada, achando que pode fazer qualquer coisa.

A nossa falta de cuidado, de atenção ou de diligência, muitas vezes, pode provocar desastres com consequências horríveis para a vida de muitos.

 

 

Padre Roger Araújo, Comunidade Canção Nova

domingo, 13 de outubro de 2013

Palavras de Maria: Um diálogo de fé


“Ao ouvir as primeiras palavras de saudação, Maria havia se perturbado e se perguntava que sentido teria essa mensagem, mas logo abriu os lábios, para dizer a primeira frase que o Evangelho de São Lucas atribui a ela: “Como se fará isso, pois não conheço homem?”. Maria dirige essa palavra a Deus, por meio do anjo.

Todo homem está convidado a dialogar com Deus. A escutá-lo, a falar com Ele, a realizar tudo o que Ele pede. No ato de falar e escutar a Deus, Maria devia ser expert. Mas, apesar de que sua mente e seu coração deveriam receber uma iluminação especial, pois foi concebida sem pecado e cheia graça, nem tudo para ela estava claro. Ela também caminhou na fé, ela confiou na Palavra de Deus, embora nem sempre a compreendesse (Cf. Lc 2,50).  Maria creu. Ela é a Virgem Fiel, a Rainha dos que confessam a fé. Foi a ela que Isabel saudou, dizendo: “Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!” (Lc 1,45). A vida de Maria foi um processo de fé. Assim, aceitou sua vocação de ser mãe de Cristo e da Igreja, não compreendendo, senão, crendo. Estando sempre disponível para encher-se de Deus. O Documento de Puebla afirma: 

“Maria é reconhecida como modelo extraordinário da Igreja na ordem da fé. É aquela que crê, pois nela resplandece a fé como dom, abertura, resposta e fidelidade. É a discípula perfeita que se abre à palavra e se deixa penetrar por seu dinamismo. Quando não a compreende e fica surpresa, não a repele, ou põe de lado; medita-a e conserva-a. E quando a palavra lhe soa dura aos ouvidos, persiste confiantemente no diálogo de fé com Deus que lhe fala”.

Como Maria, também nós, os crentes, devemos perguntar a Deus e pedir-lhe que nos ilumine o caminho. O ateu não pergunta justamente porque não aceita o transcendente. O crente é aquele que espera que Deus responda quando a dor, a doença, a morte, a tentação ou o pecado o levam a dizer: “Por que isto está acontecendo?”. Ou quando a vocação que Deus propõe parece superar toda resposta possível, então diz: “Como se fará?”. As respostas divinas sempre envolvem desafios a enfrentar e estabelecem novos questionamentos que, somente à luz da fé, poderão ser resolvidos.”

 

Trecho do livro de Pe. Diego Jaramillo, “As palavras de Maria

 

 

sábado, 12 de outubro de 2013

Aos que sofrem em esperar...

Vós, que temeis ao Senhor, louvai-o; porque Ele não rejeitou nem desprezou a miséria do infeliz, nem dele desviou a sua face, mas o ouviu quando lhe suplicava." (Sl 21, 24a.25).

Sempre tive dificuldades em esperar. Nas minhas orações, entregava as situações nas mãos de Deus, mas não descansava; mantinha a cabeça maquinando em busca de solução. Era e, por vezes, ainda é muito duro, para mim, simplesmente parar e esperar, acreditando que a situação receberá uma resposta da parte de Deus. Isso me causava um sentimento de desconforto, insegurança, irresponsabilidade. Então, descobri que há situações em que este esforço é totalmente desnecessário e inclusive prejudicial. Há um caminho muito melhor.

Às vezes, tudo o que Deus quer de nós é que esperemos, numa atitude de profunda confiança e prontidão para obedecê-Lo.

Percebi, nestas horas, que todas as manobras que eu fazia, interferiam na ação de Deus e a atrapalhavam. Como é difícil largar depois de entregar! Mas se não largarmos, Deus largará.

Já imaginou um carro com dois volantes e dois motoristas? Não seria um carro, mas um desastre ambulante. Deus sabe que na direção das coisas cabe apenas uma pessoa, ou é Ele ou somos nós; é a carne ou o Espírito. Por isso, quando tomamos o combate em nossas mãos e lutamos por nossas próprias forças, Deus se sujeita a assistir a nossa luta.

Não é má vontade da parte d Ele. O respeito a nossa liberdade O faz esperar.

Quando o ferro é dobrado abruptamente, ele se parte; para curvá-lo é preciso tempo, tempo de prepará-lo, de levá-lo ao fogo. Quando Deus pede um tempo, não o faz por Si próprio, mas por nossa causa, em virtude da nossa natureza.

Em geral, as coisas mais belas e complexas levaram tempo para serem construídas; custa tempo construir um edifício; muitos quadros demoraram anos para serem pintados... Mas exigimos que Deus faça Seus milagres nos segundos da nossa conveniência.

Leva tempo converter um coração. Leva tempo aproximar duas pessoas que se magoaram. É preciso tempo para curar a doença e fechar a ferida. Tudo nesta nossa vida está sujeito a um tempo. Por isso, com a oração se planta a semente, pela oração cultiva-se a planta e, a confiança não nos decepcionará quando colhermos os frutos há tanto esperados.

 

Márcio Mendes, Comunidade Canção Nova

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Leitura Bíblica: Lucas 11, 15–26


“Enquanto um homem forte e armado guarda a sua morada, tudo o que possui está seguro” (Lc 11,21-22)

 No Evangelho de hoje, presenciamos algumas indagações a respeito de Jesus. Na narrativa de Lucas, como vemos, existe um questionamento sobre todos os milagres que Cristo havia operado: “Ele expulsa os demônios com o poder de Belzebu, chefe dos demônios”. Ao longo desta semana, as leituras nos falaram da importância da oração e da escuta atenta da Palavra.

O próprio Cristo vem nos dizer o quanto é necessário sermos fortes e perseverantes. Cristo pede que tenhamos uma fé autêntica, uma fé que se torna inabalável diante de algumas indagações do mundo. Uma fé que não precisa de sinais para ser vivida e que se torna verdadeira quando me deixo seduzir pela voz, pela Palavra de Deus. Que a fé não se torne apenas palavras, mas verdadeiras ações ao próximo!

 

www.franciscanos.org.br

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Amemos a verdadeira liberdade



Somente quando temos a coragem de colocar toda a nossa vida na luz de Cristo, e assumir a nossa verdade, seja ela qual for, é que nos tornamos homens e mulheres verdadeiramente livres.

Não dá para mascarar, justificar ou esconder aquilo que somos. A nossa verdade – assumida diante de Deus – traz curas e libertações profundas, as quais nós nem somos capazes de imaginar.

“Vossas obras, ó Senhor, são verdade e são justiça” (Sl 110).

Peçamos hoje a Jesus a graça de abrirmos o nosso coração, para que possamos acolher os desígnios de Deus a nosso respeito.

Jesus, eu confio em Vós!

 

Luzia Santiago, Comunidade Canção Nova

 

domingo, 6 de outubro de 2013

Ser sadio na doença...



No dia 10 de maio de 1873, chegou a Molokai, no arquipélago de Havaí, o missionário belga, Damião de Veuster. A “ilha maldita” era habitada por 3.113 leprosos. Ao longo dos 16 anos em que lá permaneceu, o padre «fez-se tudo para todos» (1Cor 9,22), a serviço de pessoas que, desesperadas e revoltadas, acabavam criando, umas para as outras, um verdadeiro inferno. Certo dia, em 1884, cinco anos antes de falecer, quando começava a colher os frutos de sua doação, percebeu que, ele também, havia sido atingido pela enfermidade. No domingo seguinte, ao invés de se dirigir aos fiéis como sempre fazia – um sadio falando para doentes –, iniciou sua homilia dizendo: «Nossa pátria é o Céu, para onde nós, os leprosos, estamos certos de ir muito em breve. Lá não haverá feiura nem doença: seremos todos transfigurados».

Lembrei-me das palavras de Damião – elevado à honra dos altares por Bento XVI, em 2009 – ao ser informado, no dia 6 de setembro, que estava com câncer. Como o “Apóstolo dos leprosos”, eu também “cruzara a ponte” e me colocara na margem oposta, aonde nunca teria gostado de chegar. “Por ironia do destino” – para citar uma expressão que detesto – realizava-se em mim o que escrevi em 2012, num artigo que intitulei: “Prepare-se: você vai morrer de câncer!”. Nele, eu citava uma agência internacional de pesquisa, para dizer que o número de casos de câncer crescerá em 75% até o ano de 2030: em 2008, eles eram 12,7 milhões e, em 2030, serão 22,2 milhões.

Não estou revelando nenhum segredo ao dizer que a minha santidade não é a de Damião de Molokai. Nem de Santa Teresinha que, ao se perceber tuberculosa, exclamou: «É o Esposo que está chegando!». Nem de uma jovem do Movimento dos Focolares que, indagada como estava, respondeu, aludindo ao câncer que a consumia: «É o Reino de Deus que avança!». Não, eu me sinto bem mais fraco. Quando alguém me pergunta: “Como vai?”, a tentação seria responder: “Mais mal do que bem!”.

Mas, se assim fizesse, estaria esquecendo o que tentei construir e me sustentou ao longo da vida. A resposta cristã deveria ser: «Pela graça de Deus, vou bem!». Ou, como costuma dizer Frei Hans Stapel, fundador da Fazenda da Esperança: «Melhor do que mereço!». Quantas vezes eu falei, em minhas homilias ao povo, que, mesmo estando doentes fisicamente, podemos ser sadios espiritualmente! Era esta, aliás, a convicção de São Paulo: «Se vivemos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor» (Rm 14,8).

Mas, como todos sabem, é mais fácil falar ou escrever do que aceitar os entraves impostos pela enfermidade. Perder planos e projetos; perceber que o futuro fica incerto e restrito; depender da boa vontade de outrem; passar da atividade à inércia; sentir-se um peso para quem está ao lado; manter a paciência e a esperança... Não, não é fácil ser sadio na doença!

De outro lado, preciso reconhecer que a vida me foi sempre generosa. Não nego: desde a infância, passei por momentos amargos e dolorosos, que geraram carências e traumas. Mas foram mitigados pelo amor com que Deus me acompanhou, concretizado na amizade e no apoio que uma multidão de irmãos e irmãs me proporcionou. Penso que posso repetir o que o Papa Francisco disse de si mesmo, após o término da Jornada Mundial da Juventude: «Como padre, fui feliz; como bispo, fui feliz; e agora, como papa, continuo feliz!».

Quanto à morte, retomo as palavras do Papa numa entrevista que deu no Rio de Janeiro: «Não tenho medo. Sei que ninguém morre na véspera. Quando chegar a minha vez, o que Deus permitir, assim será!». Com isso, não nego o meu medo diante da dor e da morte. Esta continua sendo o maior desafio da vida, semelhante ao de uma criança que deixa o aconchego do seio materno para entrar num mundo desconhecido. Mas, não se pode esquecer, o nascimento é a melhor coisa que pode acontecer para a criança, a mãe e o mundo. Por tudo isso, apesar da fragilidade que me é inata, faço minhas as palavras que São Paulo dirigia a seus amigos: «Se continuar em vida, penso que poderei fazer ainda algum trabalho útil. Não sei o que escolher. As duas coisas me atraem: morrer para estar com Cristo e continuar trabalhando por vocês!» (Fl 1, 22.24).

Dom Redovino Rizzardo, Bispo de Dourados (MS)


Leitura Bíblica: Lucas 17, 5-10





Quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’” (Lc 17,10)

Não existe prodígio maior para um seguidor de Cristo do que servir. Quem ama Nosso Senhor Jesus Cristo, tem fome de servir.

Isso significa fazer o bem sem esperar recompensa. E aquele que tiver olhos de águia para as coisas de Deus, verá que, no bem que faz, ali já mora sua recompensa. O cristão deve se alegrar por servir, pois de fato não há alegria maior.

Nem sempre é fácil, mas Jesus pede: “Tendes fé!”. Com ela, poderás mover montanhas e, se o próprio Senhor lhe deu a tarefa, é óbvio que nos dará as condições para cumpri-las. Como nos diz o salmista: “Confia no Senhor e faze o bem!”

www.franciscanos.org.br, reflexão feita pelos Noviços

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Não desanimeis

Amados jovens,sabeis bem como me preocupa a paz no mundo. A espiral da violência, o terrorismo e a guerra provoca, também nos nossos dias, ódio e morte. A paz sabemo-lo é antes de tudo um dom do Alto que devemos pedir com insistência e que, além disso, devemos construir entre todos mediante uma profunda conversão interior. Por isso, hoje desejo pedir-vos que sejais realizadores e artífices de paz. Respondei à violência cega e ao ódio desumano com o poder fascinante do amor.

Vencei a inimizade com a força do perdão. Mantende-vos longe de qualquer forma de nacionalismo exacerbado, de racismo e de intolerância. Testemunhai com a vossa vida que as ideias não se impõem, mas se propõem. Nunca vos deixeis desanimar pelo mal! Para isso tendes necessidade da ajuda da oração e do conforto que brota de uma amizade íntima com Cristo. Só assim, vivendo a experiência do amor de Deus e irradiando a fraternidade evangélica, podereis ser os construtores de um mundo melhor, autênticos homens e mulheres pacíficos e pacificadores.

Queridos jovens, ide com confiança ao encontro de Jesus, e, como os novos santos, não tenhais medo de falar d'Ele! Porque Cristo é a resposta verdadeira para todas as perguntas sobre o homem e sobre o seu destino. É preciso que vós, jovens, vos convertais em apóstolos dos vossos coetâneos. Sei muito bem que isto não é fácil. Muitas vezes tereis a tentação de dizer como o profeta Jeremias: "Oh! Senhor, eu não sei exprimir-me, sou um jovem" (Jer 1, 6). Não desanimeis, porque não estais sozinhos: o Senhor nunca deixará de vos acompanhar, com a sua graça e com o dom do seu Espírito.

Esta presença fiel do Senhor torna-vos capazes de assumir o compromisso da nova evangelização, para a qual estão chamados todos os filhos da Igreja. É uma tarefa de todos. Nela os leigos têm um papel de protagonistas, especialmente os esposos e as famílias cristãs; sem dúvida, a evangelização exige hoje com urgência sacerdotes e pessoas consagradas. Eis a razão pela qual desejo dizer a cada um de vós, jovens: se sentis a chamada de Deus que vos diz: "Segue-me!" (Mc 2, 14; Lc 5, 27), não a sufoqueis. Sede generosos, respondei como Maria oferecendo a Deus o sim alegre das vossas pessoas e da vossa vida.

Dou-vos o meu testemunho: eu fui ordenado quando tinha 26 anos. Desde então se passaram 56.

Então, quantos anos tem o Papa? Quase 83! Um jovem de 83 anos. Quando olho para trás e recordo estes anos da minha vida, posso garantir-vos que vale a pena dedicar-se à causa de Cristo e, por amor d'Ele, consagrar-se ao serviço do homem. Vale a pena dar a vida pelo Evangelho e pelos irmãos! Quantas horas faltam para a meia-noite? Três horas. Só três horas para a meia-noite e depois chega a manhã.

Santa Maria, Mãe dos jovens, intercede para que sejam testemunhas de Cristo Ressuscitado, apóstolos humildes e valorosos do terceiro milênio, arautos generosos do Evangelho.

Santa Maria, Virgem Imaculada, reza conosco, reza por nós. Amém.

(Discurso do Papa João Paulo II, na Vigília de oração com os jovens espanhóis. Madrid, 3 de maio de 2003)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

No coração da Igreja serei o amor

“Não quero ser santa pela metade, escolho tudo”. Hoje a Igreja celebra Santa Teresa do Menino Jesus. A santa de hoje nasceu em Alençon (França) em 1873 e morreu no ano de 1897. Santa Teresinha não só descobriu que no coração da Igreja sua vocação era o amor, como também sabia que o seu coração – e o de todos nós – foi feito para amar. A seguir, compartilho com vocês um lindo texto, de autoria de Santa Teresa do Menino Jesus, ou simplesmente, Santa Teresinha.

Meus imensos desejos me eram um autêntico martírio. Fui, então, às cartas de São Paulo a ver se encontrava uma resposta. Meus olhos caíram por acaso nos capítulos doze e treze da Primeira Carta aos Coríntios. No primeiro destes, li que todos não podem ser ao mesmo tempo apóstolos, profetas, doutores, e que a Igreja consta de vários membros; os olhos não podem ser mãos ao mesmo tempo. Resposta clara, sem dúvida, mas não capaz de satisfazer meu desejo e dar-me a paz. 

Perseverei na leitura sem desanimar e encontrei esta frase sublime: Aspirai aos melhores carismas. E vos indico um caminho ainda mais excelente (1Cor 12,31). O Apóstolo esclarece que os melhores carismas nada são sem a caridade, e esta caridade é o caminho mais excelente que leva com segurança a Deus. Achara enfim o repouso. 

Ao considerar o Corpo místico da Igreja, não me encontrara em nenhum dos membros enumerados por São Paulo, mas, ao contrário, desejava ver-me em todos eles. A caridade deu-me o eixo de minha vocação. Compreendi que a Igreja tem um corpo formado de vários membros e neste corpo não pode faltar o membro necessário e o mais nobre: entendi que a Igreja tem um coração e este coração está inflamado de amor. Compreendi que os membros da Igreja são impelidos a agir por um único amor, de forma que, extinto este, os apóstolos não mais anunciariam o Evangelho, os mártires não mais derramariam o sangue. Percebi e reconheci que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo, abraça todos os tempos e lugares, numa palavra, o amor é eterno. 

Então, delirante de alegria, exclamei: Ó Jesus, meu amor, encontrei afinal minha vocação: minha vocação é o amor. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, tu me deste este lugar, meu Deus. No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor e desse modo serei tudo, e meu desejo se realizará.

Da Autobiografia de Santa Teresa do Menino Jesus, séc. XIX