terça-feira, 15 de janeiro de 2013

(CIC) Ressuscitados com Cristo

Se é verdade que Cristo nos ressuscitará "no último dia", também é verdade que, de certo modo, já ressuscitamos com Cristo. Pois, graças ao Espírito Santo, a vida cristã é, já  agora na terra, uma participação na morte e na ressurreição de Cristo:

Fostes sepultados com Ele no Batismo, também com Ele ressuscitastes, pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos. (...) Se, pois, ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus (Cl 2,12;3,1).

Unidos a Cristo pelo Batismo, os crentes já  participam realmente na vida celeste de Cristo ressuscitado, mas esta vida permanece "escondida com Cristo em Deus" (Cl 3,3). "Com ele nos ressuscitou e fez-nos sentar nos céus, em Cristo Jesus" (Ef 2,6). Nutridos com seu Corpo na Eucaristia, já  pertencemos ao Corpo de Cristo. Quando ressuscitarmos, no último dia, nós também seremos "manifestados com Ele cheios de glória" (Cl 3,3).

Enquanto aguardam esse dia, o corpo e a alma do crente participam desde já  da dignidade de ser "de Cristo"; daí a exigência do respeito para com seu próprio corpo, mas também para com o de outrem, particularmente quando este sofre:

O corpo é para o Senhor, e o Senhor é para o corpo. Ora, Deus, que ressuscitou o Senhor, ressuscitará  também a nós por seu poder. Não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo? (...) Não pertenceis a vós mesmos. (...) Glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo (1Cor 6,5.19-20).

Catecismo da Igreja Católica, § 1002-1004

Clamar ao Senhor

Os primeiros dias de um novo ano despertam em nós uma série de perguntas: Como será este ano que começa? Conseguirei superar os meus problemas? Haverá paz entre os povos? Os economistas encontrarão respostas adequadas para os desafios que enfrentamos? Os políticos... etc.  Cada qual julga-se portador da solução ideal e do remédio eficaz para os males que afligem nossa sociedade. Em meio a tanta palavra vazia que se ouve, não seria o caso de buscarmos uma orientação nas raízes de nossa fé? Não quero dizer com isso que as discussões sejam inúteis; são, isto sim, normalmente incompletas. Falta-lhes, por vezes, um elemento essencial: a convicção de que “Se o Senhor não construir a casa, é inútil o cansaço dos pedreiros” (Salmo 127/126,1). Por isso, deveríamos começar este primeiro mês do ano da graça de 2013 com um profundo clamor, uma súplica ardente, uma prece confiante. Explico-me, a partir de um texto do Deuteronômio. Como é sabido, esse livro reproduz um grande discurso de despedida pronunciado por Moisés, pouco antes de morrer, no fim da travessia do deserto e às vésperas da conquista da Terra Prometida. Moisés apresentava as leis a serem observadas na Terra Prometida, conclamando o povo a ser fiel à sua eleição e à aliança com Deus. Depois de tomar os primeiros frutos de tudo o que a terra tivesse produzido, e de tê-los colocado numa cesta, o fiel deveria apresentar-se ao sacerdote, que colocaria a cesta diante do altar, e declarar, diante do Senhor:

“Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egito com um punhado de gente e ali viveu como estrangeiro. Mas ele tornou-se um povo grande, forte e numeroso. Então os egípcios nos maltrataram e oprimiram, impondo-nos uma dura escravidão. Clamamos então ao Senhor, Deus de nossos pais, e o Senhor ouviu nossa voz e viu nossa opressão, nossa fadiga e nossa angústia; o Senhor nos tirou do Egito com mão forte...” (Dt 26,5-8).

Essa maneira de reagir diante dos problemas (“Clamamos ao Senhor...”) tornou-se um gesto normal e frequente na história do Povo Escolhido. Temos exemplos de súplicas em quase todos os livros do Antigo Testamento. Ora é Salomão que se volta para o Senhor: “Ouve o clamor e a oração que teu servidor te dirige” (2Cr 6,19), ora é o povo que brada: “Olha e vê nossa ignomínia” (Lm 5,1), ou, então, são os profetas que, como Daniel, insistem: “Ó nosso Deus, escuta as orações e as súplicas do teu servo” (Dn 9,17). Também o salmista lança seu grito: “Salva-me, ó Deus, pois a água sobe até o meu pescoço!” (Sl 69/68,1); “Inclina para mim teu ouvido; quando te invoco, atende-me depressa!” (Sl 102/101,3) etc. Nessas súplicas, os que clamavam partiam de uma convicção: o Senhor ama o seu povo, ouve sua oração, gosta de lhe demonstrar sua amizade e atenção, e nunca deixa um grito ou pedido sem resposta. Ele salva seus filhos e filhas porque é bom e poderoso.  Jesus procurou aprofundar em nós essa convicção, tanto que nos ensinou: “Pedi e vos será dado. Pois todo aquele que pede, recebe” (Mt 7,7-8). Ele mesmo estava atento aos pedidos que lhe faziam – como, por exemplo, no caso do cego: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!” (Mc 10,47).

O grito que parte do coração da criatura necessitada não se apóia nos méritos de quem o emite, mas na potência do Senhor. Essa confiança não dá o direito de nos omitirmos, mas, ao contrário, nos obriga a fazer a nossa parte e nos compromete ainda mais. Em outras palavras: justamente porque, em nossas necessidades, nos voltamos para Deus, com maior razão deveremos colocar nossos talentos na busca de soluções concretas e eficazes para os desafios que enfrentarmos.

Comecemos, pois, o novo ano, apresentando ao Senhor nossa própria dor, o sofrimento de nossa família ou comunidade, e os grandes problemas de nosso país. Nosso Deus abrirá diante de nós, então, novos caminhos, ao mesmo tempo em que nos dará força para fazermos o que nos compete. Sim, o Senhor ouvirá nossa voz e virá ao nosso encontro, porque é Deus, porque é Pai, porque é amor.

Dom Murilo S. R. Krieger