Quantas
coisas podem mudar em duas décadas! Após anos de ações legais demandando que os
crucifixos sejam retirados dos lugares públicos e de banalização da cruz como
um acessório de adorno ou arte corporal, não é de estranhar que a festa da
Exaltação da Cruz deixe muita gente perplexa.
A história da verdadeira cruz é longa e complicada: começa com um rebento de
árvore da graça no Éden, passa através da ponte do Rei Salomão para Jerusalém,
até a seleção desse antigo madeiro para a crucifixão de Cristo.
A tradição considera que após a crucifixão a cruz foi escondida.
A cruz de Cristo foi descoberta por Santa Helena, a mãe de Constantino, que fez
uma peregrinação a Jerusalém em 326, aos 80 anos. Seu espírito indomável, assim
como suas extraordinárias aventuras, tomam sua mais encantadora forma literária
no livrinho de Evelyn Waugh, «HHelena».
Parte da cruz permaneceu em Jerusalém, na Igreja do Santo Sepulcro, que foi
dedicada em 14 de setembro de 335. Esta data se converteria na festa da
Exaltação.
Parece ser que a relíquia viajou pelo mundo inteiro. Foram enviados fragmentos
às novas igrejas de Constantino em Constantinopla, enquanto outros pedaços
ficaram na Igreja da Santa Cruz de Roma, construída por Santa Helena em sua
própria terra.
A devoção à cruz se estendeu tão rapidamente que, antes do final do século IV,
escreveu-se o hino «Flecte genu lignumque Crucis venerabile adora» e São João
Crisóstomo nos diz que os fragmentos da cruz eram venerados no mundo inteiro.
Contudo, curiosamente, a Exaltação da Cruz não só celebra o redescobrimento da
verdadeira cruz; também comemora um evento em um dos momentos mais turbulentos
da história cristã.
Em 615, às vésperas do surgimento do Islã, o exército persa avançava por todo o
Mediterrâneo. O rei Cosroes da Pérsia, ainda que tenha deixado o sepulcro de
Cristo intacto, levou o fragmento da cruz que Santa Helena havia deixado lá. Constituindo-se
em um deus, o rei Cosroes construiu um trono em uma alta torre e se sentou nele
com a cruz à sua direita, denominando-se como «o pai». O imperador bizantino
Heráclio desafiou Cosroes a um combate para recuperar a cruz. Vitorioso,
Heráclio devolveu o preciso relicário a Jerusalém. Havia pensado fazer entrar o
relicário na cidade pela mesma porta pela qual Cristo entrou antes de sua
crucificação, mas uma demolição bloqueou sua passagem. Dado que Cristo havia
passado através dessa porta humildemente sobre um burro antes de ser morto,
Heráclio tirou a coroa, joias e sapatos, e vestido apenas com a túnica,
carregou o relicário nos ombros. Em 14 de setembro de 630, a cruz foi
restituída a Jerusalém como exemplo de humildade para todo o povo.
Com o passar dos anos, a cruz foi atacada por muitos. Voltaire ensinou o mundo
a ridicularizar a cruz quando, em «O Dicionário Filosófico», escreveu na parte
«Superstição»: «São aqueles pedaços da verdadeira cruz, que bastariam para
construir uma nave de cem canhões, são as muitas relíquias reconhecidas como
falsas, são os falsos milagres, assim como muitos monumentos de uma piedade
iluminada?».
Para dar uma resposta à era científica, formou-se no século XVII um grupo de
jesuítas da Bélgica, os Bolandistas. Estudaram as evidências que tinham a ver
com os milagres, relíquias e vidas de santos. Citam um estudo que pesava e
media todas as relíquias conhecidas e chegaram à conclusão de que os pedaços
existentes não bastariam para fazer nem sequer uma só cruz.
Esta festa, com frequência ignorada, serviu durante muito tempo para recordar à
comunidade cristã que o significado de nossa redenção deveria ser levar a luz
ao nosso mundo, vidas e corações de todos os tempos, e que deveríamos
refleti-la com o mesmo valor, humildade e determinação que Jesus mostrou
durante sua paixão.
No mundo de hoje, onde a cultura pop ri da cruz e os políticos a negam, esta
festa impulsiona os cristãos a celebrarem o heroico sacrifício de Cristo e não
a envergonhar-se dele.
Fonte:
www.zenit.org