sábado, 26 de janeiro de 2013

Lições de um acidente

Não é coisa de todos os dias que um bispo da Igreja Católica se envolva num acidente de trânsito, ainda mais quando o resultado é uma vítima fatal. Infelizmente, foi o que aconteceu comigo. Sendo que alguns amigos expressaram o desejo de saber como vivo essa experiência, coloco-a por escrito, pedindo a Deus que a transforme em sabedoria e comunhão.

Eram as 21,30 horas do dia 18 de outubro de 2012 – exatamente três meses atrás. Chovia e a pista estava escorregadia. Eu regressava a Dourados depois de me haver reunido, em Rio Brilhante, com as lideranças pastorais da paróquia. Apesar do mau tempo, foram numerosas as pessoas que se fizeram presentes (algumas haviam percorrido 70 km em estradas lamacentas).

Eu voltava com o coração agradecido por todo o bem que percebia sendo realizado por uma multidão de pessoas que, fiéis a Deus e amando a Igreja, arregaçam as mangas e atuam eficazmente por um mundo melhor. Por isso, passei a maior parte da viagem acompanhando o rosário transmitido pela Rádio Coração.
Sendo uma noite chuvosa, pensei comigo mesmo: «Vou com calma! Não preciso ter pressa! É melhor perder um minuto na vida do que a vida num minuto!». Assim, durante os 40 quilômetros que percorri antes do infortúnio, não ultrapassei nenhum carro.

Poucos minutos após cruzar pelo distrito de Cruzaltina, de repente percebo um vulto à minha frente. Nem deu tempo para distinguir se se tratava de um animal ou de uma pessoa. A chuva colaborou para a confusão. O corpo caiu sobre o parabrisa. Foi tudo tão rápido quanto improviso. Sem saber o que fazer, parei imediatamente no meio da pista. Saindo do carro, vi, caído no acostamento, um jovem de uns 25/30 anos.

Não posso negar: foram os momentos mais cruciais da minha já não breve vida, que me fizeram lembrar da dor e das trevas de Jesus no Calvário: «Meu Deus, por que me abandonaste?» (Mt 27,46). Dor e trevas, porém, que foram amenizadas pela rapidez com que Deus se fez presente através de motoristas e outras pessoas que, apesar da chuva e do horário, venceram a tentação da pressa e do medo e me socorreram. Uma solidariedade que me ajudou a recobrar a serenidade, a retribuir amor com amor e a substituir a amargura pela confiança, a exemplo de Jesus que, entre as trevas da agonia, repetiu: «Pai, em tuas mãos entrego a minha vida!» (Lc 23,46).

O rapaz – que mais tarde eu soube tratar-se de Douglas Campos de Santana, residente em Itaporã – foi levado a um hospital de Dourados, mas veio a falecer poucos minutos após a sua chegada. Seu funeral, realizado no sábado, foi acompanhado por numerosos fiéis da Igreja Católica, que procuraram consolar e animar uma mãe que, depois de ter perdido o marido há alguns anos, agora lhe era tirado também o filho.

No sábado seguinte, mantive um encontro com ela, num almoço oferecido por uma família amiga. Soube, então, dos percalços que, há tempo, transtornavam a vida do Douglas e o levavam a se perguntar se valia a pena viver. Dois motoristas que passaram pelo local do acidente poucos minutos antes de mim, precisaram fazer manobras arriscadas para não atropelá-lo.

Antes do acidente, eu me perguntava como é que se sentem as pessoas que carregam no coração a dor de terem causado a morte de alguém... Talvez Deus permitiu que eu fosse incluído nesse número para me ajudar a ser menos precipitado em meus julgamentos, já que nem todo acidente é fruto da bebida, do excesso de velocidade ou do desrespeito às leis de trânsito. Ou, para que eu aprenda, com Jó, a «receber de Deus não somente os bens, mas também os males» (Jó, 2,10). Ou, ainda, para me fazer conhecer pessoas maravilhosas que me demonstraram compreensão e apoio, a começar pela mãe do Douglas, que viu em mim «um anjo da noite enviado por Deus para levar seu filho ao céu». Palavras que me soaram como um apelo de Deus para introduzir também em Dourados, uma Diocese onde são centenas as vítimas ceifadas pelo trânsito todos os anos, o Grupo Ecumênico “Filhos no Céu”, nascido na Itália em 1991, para agrupar, confortar e amparar as famílias que têm filhos morando no céu.
Quem consegue transformar a dor em amor, faz sua a experiência que levava São Paulo a garantir: «Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus» (Rm 8,28). Até mesmo um acidente de trânsito...

Dom Redovino Rizzardo, Bispo de Dourados (MS)

Grupo de Oração Frutos do Amor de Deus


Então Pedro se aproximou dele e disse: Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Respondeu Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. (Mateus 18, 21-22)




Leitura Bíblica: 2Timóteo 2, 1-8


“Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de sobriedade” 
(2Tm 1,7)

Comemoramos hoje a festa de dois discípulos e companheiros de Paulo em suas andanças.  Belíssimo o trecho da carta a Timóteo, proclamado na liturgia de hoje.
Paulo apresenta seu título de honra:  “Paulo, apóstolo de Jesus Cristo pelo desígnio de Deus…”.  Paulo tem plena consciência  de sua missão. Não nasceu dele, mas foi uma determinação de Deus.  Ele sabe que foi enviado a anunciar os desígnios eternos de Deus que estavam ocultos em Deus e que  manifestaram-se a fragilidade e na glória de Cristo.  Mais adiante ele dirá que serve a esse Deus com consciência pura.  Será enviado para os de fora, para os gentios.

Estaria ele diante de um Timóteo fragilizado?  Algumas das expressões da carta poderiam sugeri-lo.  Há toda uma visão profundamente pascal da vida e das coisas.  Há uma imensa ternura.

Paulo dá graças a Deus em suas orações quando se lembra de Timóteo. Há um interesse e uma atenção especiais por Timóteo de sorte que o apóstolo gosta de colocar-se diante do Senhor  em sua companhia.  Paulo lembra-se de suas lágrimas, dos seus sofrimentos.  Tem vontade de rever o companheiro e assim por termo à sua tristeza de estar longe dele: “Lembrando-me  das tuas lágrimas, sinto grande desejo de rever-te e assim ficar cheio de alegria”. Alegria dos missionários cujos corações batem uníssonos, alegria por uma causa comum, vontade de estar com aquele que é também amigo do Mestre.  Belíssimas as amizades que a história revela entre pessoas unidas no Senhor, aqueles que têm a alegria de tornar o Amor amado.
Paulo elogia a fé do seu amigo. Esta fé vem de sua família, da avó Loide e da mãe Eunice.  Pormenor importante este: os pais são os primeiros e fundamentais anunciadores da fé aos filhos.  Não obrigam-nos a crer. Mas certamente a solidez e lucidez da fé dos pais é de fundamental importância para que  os  filhos comecem  a aventura da fé.  Parece  que Timóteo experimenta um desalento. “Exorto-te a reavivar  a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos”.

Há um convite a  que  volte ao primeiro amor.  O bispo Timóteo não pode esquecer que recebeu a imposição da mãos, sinal da graça do Senhor, para que ele pudesse ser administrador dos mistérios de Cristo.  Cada um daqueles que são padres sempre se lembram da preparação para sua ordenação e de como viveram intensamente os  momentos que precederam a cerimônia, o retiro preparatório,  a alegria vivida com os confrades,  os primeiros tempos do ministério.  “Exorto-te a reavivar a chama  do dom de Deus…”  Paulo, carinhosamente repreende o companheiro: “Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de sobriedade”.

Finalmente vem a palavra mais forte  e mais densa.  Timóteo não pode  ter medo de suas fraquezas e das fraquezas dos outros. Será preciso sofrer com Paulo, em outras palavras, viver o mistério  pascal em sua carne.  “Não te envergonhes  do testemunho de nosso Senhor nem de mim, seu prisioneiro, sofre comigo pelo evangelho, fortificado pelo poder de Deus”.

Frei Almir Ribeiro Guimarães