terça-feira, 15 de abril de 2014

O Noé do filme não é o Noé da Bíblia…

Estreou, há poucos dias, nas telas do cinema do Brasil, o filme ‘Noé’. A película gerou muita expectativa pela divulgação e pelos atores que atuaram na produção. Eu não sou crítico de cinema nem especialista no assunto, mas, como se trata de um filme com temática bíblica, sinto-me na obrigação de manifestar minha opinião sobre o que observei quando assisti a ele.

Do ponto de vista teológico, bíblico e doutrinário, o filme é uma frustração do começo ao fim. Ele não se preocupa, em nenhum momento, em ser fiel à narração bíblica ou se aproximar dela. Pelo contrário, procura distorcer e apontar uma visão de fé totalmente contrária à visão judaico-cristã. Uma mistura de concepções filosóficas anticristãs, tentando levar as pessoas a uma concepção de Deus e da revelação divina totalmente deturpada. Por isso, é importante afirmar que o Noé do filme não é o Noé da Bíblia nem o Criador, apresentado pelo filme, corresponde ao Deus da revelação bíblica.

O texto sagrado nos apresenta Deus como aquele que sempre toma a iniciativa de salvar ou purificar a criação como obra de Suas mãos. A missão de construir uma arca não é fruto de um delírio, de sonhos ou de alucinações de Noé. Deus foi ao seu encontro e lhe confiou esta missão. Noé personifica os homens tementes ao Senhor desde a criação do mundo. Ele não é um alucinado, muito menos um fanático religioso sem consciência e sem maturidade, como deseja apresentar o filme. A arca, diferente da Torre de Babel, não nasce de nenhuma pretensão humana, mas é uma iniciativa divina para renovar a humanidade.

Um dos ingredientes de mau gosto do filme é querer apresentar a figura de anjos decaídos como grandes bonecos de pedra, feitos com alta tecnologia digital, como os defensores de Noé, guardiões da arca e combatentes contra os pretensos invasores dela. Essas criaturas, na concepção do filme, ajudam Noé na construção da arca. Os elementos são sem fundamentos e distorcem o sentido da revelação bíblica. Nenhum anjo decaído ajudou Noé nem pode ajudar nenhum de nós. Ele não teve o auxílio desses fantasiosos guardiões. A luz, a força e o auxílio que conduzem Noé é a mão de Deus, Criador de todas as coisas.

A visão hedonista do filme apresenta um dos filhos de Noé como um jovem impelido a possuir a mulher de qualquer um a qualquer custo. Noé, como um obcecado religioso, opõe-se ao fato de seu filho ter uma esposa. Ainda pior: quando sua nora engravida, dentro da arca, Noé, em nome de Deus, fica irado com a gravidez dela e se propõe matar a criança se ela for uma menina. O texto bíblico é muito claro ao dizer que Noé entrou na arca com sua mulher, seus três filhos e a esposa de cada um deles. E eles, depois, iriam povoar a terra.

O filme tem muitas outras coisas de mau gosto e interpretações sem nenhum fundamento religioso ou bíblico. Penso que o autor da obra poderia ter respeitado, pelo menos, o essencial da narração do texto bíblico e criado muitas coisas belas a partir daquilo que foi inspiração bíblica para criar o filme.

A verdade é que o longa-metragem é uma afronta e uma distorção da beleza da revelação divina. Ele não merece ser visto nem apreciado por quem tem a Bíblia como um Livro Sagrado, fonte da revelação divina e inspiração primeira de fé. Existem filmes mais sérios e de roteiros mais qualificados.

 

Padre Roger Araújo
Missionário da Comunidade Canção Nova

 

domingo, 13 de abril de 2014

Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel



Vinde, subamos juntos ao monte das Oliveiras e corramos ao encontro de Cristo, que hoje volta de Betânia e se encaminha voluntariamente para aquela venerável e santa Paixão, a fim de realizar o mistério de nossa salvação.
 
Caminha o Senhor livremente para Jerusalém, ele que desceu do céu por nossa causa – prostrados que estávamos por terra – para elevar-nos consigo bem acima de toda autoridade, poder, potência e soberania ou qualquer título que se possa mencionar (Ef 1,21), como diz a Escritura.

O Senhor vem, mas não rodeado de pompa, como se fosse conquistar a glória. Ele não discutirá, diz a Escritura, nem gritará, e ninguém ouvirá sua voz (Mt 12,19; cf. Is 42,2). Pelo contrário, será manso e humilde, e se apresentará com vestes pobres e aparência modesta.

Acompanhemos o Senhor, que corre apressadamente para a sua Paixão e imitemos os que foram ao seu encontro. Não para estendermos à sua frente, no caminho, ramos de oliveira ou de palma, tapetes ou mantos, mas para nos prostrarmos a seus pés, com humildade e retidão de espírito, a fim de recebermos o Verbo de Deus que se aproxima, e acolhermos aquele Deus que lugar algum pode conter.

Alegra-se Jesus Cristo, porque deste modo nos mostra a sua mansidão e humildade, e se eleva, por assim dizer, sobre o ocaso (cf. Sl 67,5) de nossa infinita pequenez; ele veio ao nosso encontro e conviveu conosco, tornando-se um de nós, para nos elevar e nos reconduzir a si.

Diz um salmo que ele subiu pelo mais alto dos céus ao Oriente (cf. Sl 67,34), isto é, para a excelsa glória da sua divindade, como primícias e antecipação da nossa condição futura; mas nem por isso abandonou o gênero humano, porque o ama e quer elevar consigo a nossa natureza, erguendo-a do mais baixo da terra, de glória em glória, até torná-la participante da sua sublime divindade.

Portanto, em vez de mantos ou ramos sem vida, em vez de folhagens que alegram o olhar por pouco tempo, mas depressa perdem o seu verdor, prostremo-nos aos pés de Cristo. Revestidos de sua graça, ou melhor, revestidos dele próprio, – vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo (Gl 3,27) – prostremo-nos a seus pés como mantos estendidos.

Éramos antes como escarlate por causa dos nossos pecados, mas purificados pelo batismo da salvação, nos tornamos brancos como a lã. Por conseguinte, não ofereçamos mais ramos e palmas ao vencedor da morte, porém o prêmio da sua vitória.

Agitando nossos ramos espirituais, o aclamemos todos os dias, juntamente com as crianças, dizendo estas santas palavras: “Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel”.

 
Dos Sermões de Santo André de Creta, bispo, séc. VI

 

domingo, 6 de abril de 2014

Eis o desafio!


 Quando você deseja atravessar a rua e percebe que o sinal está vermelho, já sabe que precisa esperar. Se insistir em passar, pode até ganhar alguns mirrados segundos de tempo, mas coloca em risco o que tem de mais precioso, a própria vida.
Uma criança que está sendo gerada, por mais esperada que seja, todo mundo sabe que o melhor é esperar seu tempo certo de nascer para que venha perfeita. Assim segue a história, afirmando com fatos que cada coisa é boa e proveitosa quando vivida no seu devido tempo. Mas se o tempo passa veloz, como podemos alcançá-lo para viver bem cada coisa? Eis o desafio! Na verdade, eu não sei se é a vida que está indo rápida demais ou se sou eu que estou meio lenta, mas o fato é que quase todos os dias constato que não deu tempo de fazer o que havia planejado, por mais que tente ajustar os horários. E, pelo visto, partilho este sentimento com muita gente.
Recentemente, eu estava indo apressada para a Missa quando Deus falou comigo sobre isso.
Costumo sair do trabalho e ir diretamente para a Celebração Eucarística, e o tempo é suficiente para o percurso. Porém, se algum imprevisto acontece, e isso é muito comum, "já era!". Terei de recuperar esse tempo andando, apressada e fazendo tudo que esteja ao meu alcance para não chegar atrasada, inclusive atravessar a rua com o sinal vermelho se perceber que não vêm carros na avenida. Acontece que, enquanto eu esperava, impacientemente, o sinal abrir, rodeada de pessoas apressadas como eu, ouvi, no coração, a voz suave e calma de Deus me dizer: “Prefiro que você não vá à Missa!”.
Fiquei surpresa e tive dúvidas se era mesmo coisa de Deus, mas era sim. Após refletir e rezar, percebi o que desagradava o Senhor naquela situação. Não era o fato de eu chegar atrasada, mas sim de arriscar a vida atravessando a rua de maneira imprudente e viver correndo contra o tempo, até mesmo quando o assunto é oração. Depressa percebi que o Senhor não estava assim tão contente com minhas escolhas. Ele mostrou-me que preciso priorizar o que é realmente essencial e chamou-me de volta ao lugar de onde jamais devo sair: “Vinde a mim vós todos que estais cansados de carregar o peso de vosso fardo e Eu lhes darei descanso” (Mt 11, 28).
Quando permitimos que a pressa e a agitação nos dominem, naturalmente nos distanciamos de Deus e começamos a carregar sozinhos nosso próprio fardo. Não seria esta a razão de encontrarmos tanta gente cansada em nossos dias? Podemos ter metas e focar nossos esforços para alcançá-las, mas conscientes de que jamais vamos conseguir fazer tudo que almejamos, simplesmente porque somos pessoas humanas e limitadas, e não máquinas. Deus, naquela situação, deu-me a chance de recomeçar e eu estou tentando acertar meu passo com o compasso d'Ele. Acima de tudo, como é bonito perceber que Ele se interessa por nós! E se interessa muito mais por aquilo que somos diante d'Ele do que por aquilo que fazemos, mesmo que seja para Ele. Isso faz toda a diferença na vida quando temos fé.
Já foi dito que a felicidade é um dom que não se encontra no fim da estrada, mas está distribuída pelo caminho e se esconde nas coisas simples do dia a dia. Se passarmos a vida andando com muita pressa, sem tempo para olharmos ao nosso redor, correremos o risco de não encontrá-la e chegaremos ao fim da jornada com as mãos vazias e o coração cansado. E esta certamente não é a vontade de Deus para nenhum de nós. Portanto, calma! Por mais difícil que seja, é preciso desacelerar um pouco para não se perder no tempo nem viver as coisas com superficialidade.
Os antigos sábios ensinam que o segredo para uma vida feliz e plena é viver bem cada coisa a seu tempo, valorizando o presente a ponto de desfrutá-lo sem se preocupar com o minuto seguinte. Vamos tentar fazer esta experiência no dia de hoje?
Podemos começar agora mesmo, priorizando o que é essencial, neste instante, e colocá-lo em prática; no instante seguinte, faremos o mesmo. Sendo assim, poderemos viver um dia após o outro de maneira cada vez mais intensa, e nossa vida, certamente, será mais plena e feliz a partir deste instante que é o presente, pois é aqui onde Deus está. Ele não é alguém que foi ou que será, mas Aquele que é no momento presente.
 
Dijanira Silva, Missionária da Comunidade Canção Nova