O Primeiro Livro dos Reis, escrito uns seis séculos antes da era cristã, descreve uma curiosa experiência de Deus, rica de ensinamentos e atual.
O profeta Elias não se conformava com o comportamento do Povo Escolhido, que deixara de lado o culto ao Deus verdadeiro para seguir falsos profetas, adoradores de Baal, deus de povos vizinhos. Uma vez que os argumentos não conseguiram convencer os israelitas, Elias lhes propôs um desafio: mataria um touro, o prepararia para o sacrifício e pediria a Deus que acendesse o fogo. Os 450 profetas de Baal, por seu lado, fariam o mesmo. Conforme o resultado obtido, todos poderiam ver, com clareza, do lado de quem estava o Deus verdadeiro.
O povo de Israel respondeu a Elias: “Ótima proposta!” (1Re 18,24). Também os profetas de Baal concordaram com o desafio e prepararam o novilho para a oferenda. Quando tudo estava pronto, começaram a invocar o nome de seu deus, mas sem acender o fogo, conforme fora combinado. Multiplicaram as orações e nada conseguiram. Vendo-os e escutando-os, Elias, um profeta com ironia nada sutil, aproveitou a oportunidade para um comentário: “Gritai mais forte, pois ele é deus, tem suas preocupações: teve de se ausentar ou está de viagem; talvez esteja dormindo e precisa ser acordado” (1 Re 18,27). O grupo de Baal passou das súplicas aos gritos; se autoferiu até o sangue escorrer. E não obteve resposta.
Ao chegar sua vez, Elias, além de preparar o altar, mandou que derramassem água sobre a lenha e a oferenda. Pediu, então, que Deus se manifestasse: “Escuta-me, Senhor, escuta-me para que este povo reconheça que tu, Senhor, és Deus e que convertas os corações deles” (1Re 18,37). A resposta foi imediata: veio fogo sobre o altar, consumindo a oferta, a lenha e as pedras. Tirando proveito de seu sucesso, e querendo exterminar o mal pela raiz, Elias mandou que fossem degolados todos os profetas de Baal. Por causa disso, foi ameaçado de morte e perseguido. Para piorar sua situação, sentiu o desgosto de ver que os seguidores deles, mesmo após a manifestação do poder divino, não se converteram. Desanimado e com vontade de morrer, foi socorrido providencialmente por um anjo e partiu em direção ao Monte Horeb, berço da aliança entre Deus e seu povo. Ali fez o que chamamos de “experiência de Deus”.
Sabendo que o Senhor passaria em seu caminho, Elias o esperou, de pé. Viu então, sucessivamente, vários fenômenos atmosféricos grandiosos. Ficou atento, pois Deus poderia se manifestar através deles. Mas Ele não estava nem no furacão violento, nem no terremoto, como também não estava no fogo. “Finalmente... percebeu-se uma brisa suave e amena” (1Re 19,12); o Senhor estava nela.
Aplicando essa experiência de Elias aos dias de hoje, concluímos que também em nossa vida Deus se manifesta de diversas maneiras. Por vezes, serve-se de acontecimentos extraordinários, fortes, como se fossem um “tsunâmi” em nossa vida.
Normalmente, porém, manifesta-se através de “brisas suaves” – isto é, de acontecimentos tão simples que nem valorizamos, tão rotineiros que quase nem percebemos, tão frequentes que não lhes damos importância. Neles, o Senhor passa em nossa vida. Ora, cada passagem divina é especial, porque é única. Consciente disso, Santo Agostinho († 430) manifestou uma preocupação, que traduzo assim: “O que acontecerá comigo, se Ele passar e não mais voltar?...”
Elias nos ensina a cultivar a atitude de prontidão. O profeta não sabia quando o Senhor passaria, não sabia nem a maneira que o Senhor escolheria para se manifestar. Afinal, não cabia a ele próprio fazer tal escolha, mas a Deus. Conosco, não é diferente. É necessário, pois, estar atentos. Caso contrário, poderemos aumentar o grupo formado por aqueles que vivem correndo atrás de experiências emocionais, inclusive no campo religioso. Tais pessoas buscam o que agrada a seus sentidos, o que acalma seus pensamentos e não compromete sua consciência. Enfim, buscam um “deus” à sua própria imagem e semelhante. Enquanto isso, o Deus vivo e verdadeiro passa em suas vidas como uma brisa suave e amena...
Dom Murilo S.R. Krieger
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