Os primeiros
dias de um novo ano despertam em nós uma série de perguntas: Como será este ano
que começa? Conseguirei superar os meus problemas? Haverá paz entre os povos?
Os economistas encontrarão respostas adequadas para os desafios que
enfrentamos? Os políticos... etc. Cada qual julga-se portador da solução
ideal e do remédio eficaz para os males que afligem nossa sociedade. Em meio a
tanta palavra vazia que se ouve, não seria o caso de buscarmos uma orientação
nas raízes de nossa fé? Não quero dizer com isso que as discussões sejam
inúteis; são, isto sim, normalmente incompletas. Falta-lhes, por vezes, um
elemento essencial: a convicção de que “Se o Senhor não construir a casa, é
inútil o cansaço dos pedreiros” (Salmo 127/126,1). Por isso, deveríamos começar
este primeiro mês do ano da graça de 2013 com um profundo clamor, uma súplica
ardente, uma prece confiante. Explico-me, a partir de um texto do Deuteronômio.
Como é sabido, esse livro reproduz um grande discurso de despedida pronunciado
por Moisés, pouco antes de morrer, no fim da travessia do deserto e às vésperas
da conquista da Terra Prometida. Moisés apresentava as leis a serem observadas
na Terra Prometida, conclamando o povo a ser fiel à sua eleição e à aliança com
Deus. Depois de tomar os primeiros frutos de tudo o que a terra tivesse
produzido, e de tê-los colocado numa cesta, o fiel deveria apresentar-se ao
sacerdote, que colocaria a cesta diante do altar, e declarar, diante do Senhor:
“Meu pai era
um arameu errante, que desceu ao Egito com um punhado de gente e ali viveu como
estrangeiro. Mas ele tornou-se um povo grande, forte e numeroso. Então os
egípcios nos maltrataram e oprimiram, impondo-nos uma dura escravidão. Clamamos
então ao Senhor, Deus de nossos pais, e o Senhor ouviu nossa voz e viu nossa
opressão, nossa fadiga e nossa angústia; o Senhor nos tirou do Egito com mão
forte...” (Dt 26,5-8).
Essa maneira
de reagir diante dos problemas (“Clamamos ao Senhor...”) tornou-se um gesto
normal e frequente na história do Povo Escolhido. Temos exemplos de súplicas em
quase todos os livros do Antigo Testamento. Ora é Salomão que se volta para o
Senhor: “Ouve o clamor e a oração que teu servidor te dirige” (2Cr 6,19), ora é
o povo que brada: “Olha e vê nossa ignomínia” (Lm 5,1), ou, então, são os
profetas que, como Daniel, insistem: “Ó nosso Deus, escuta as orações e as
súplicas do teu servo” (Dn 9,17). Também o salmista lança seu grito: “Salva-me,
ó Deus, pois a água sobe até o meu pescoço!” (Sl 69/68,1); “Inclina para mim
teu ouvido; quando te invoco, atende-me depressa!” (Sl 102/101,3) etc. Nessas
súplicas, os que clamavam partiam de uma convicção: o Senhor ama o seu povo,
ouve sua oração, gosta de lhe demonstrar sua amizade e atenção, e nunca deixa
um grito ou pedido sem resposta. Ele salva seus filhos e filhas porque é bom e
poderoso. Jesus procurou aprofundar em nós essa convicção, tanto que nos
ensinou: “Pedi e vos será dado. Pois todo aquele que pede, recebe” (Mt 7,7-8).
Ele mesmo estava atento aos pedidos que lhe faziam – como, por exemplo, no caso
do cego: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!” (Mc 10,47).
O grito que
parte do coração da criatura necessitada não se apóia nos méritos de quem o
emite, mas na potência do Senhor. Essa confiança não dá o direito de nos
omitirmos, mas, ao contrário, nos obriga a fazer a nossa parte e nos compromete
ainda mais. Em outras palavras: justamente porque, em nossas necessidades, nos
voltamos para Deus, com maior razão deveremos colocar nossos talentos na busca
de soluções concretas e eficazes para os desafios que enfrentarmos.
Comecemos,
pois, o novo ano, apresentando ao Senhor nossa própria dor, o sofrimento de nossa
família ou comunidade, e os grandes problemas de nosso país. Nosso Deus abrirá
diante de nós, então, novos caminhos, ao mesmo tempo em que nos dará força para
fazermos o que nos compete. Sim, o Senhor ouvirá nossa voz e virá ao nosso
encontro, porque é Deus, porque é Pai, porque é amor.
Dom Murilo S. R. Krieger
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