domingo, 3 de março de 2013

O vermelho e o negro




Colar o rótulo de bom ou mau, no fundo, é o ofício humano mais frequente, aberto diante de cada um de nós diariamente, ou melhor, a cada minuto de nosso cotidiano. Se usamos aquela camisa, se vamos ou não vamos a algum lugar, se falamos ou se calamos, se comemos bife com fritas ou sem elas, nos departamentos mais nobres e nos mais prosaicos, não fazemos outra coisa a não ser navegar entre aquilo que nos parece o bem ou o mal, o necessário ou o supérfluo, o devo ou o não devo.

Foi o caso do cidadão que parou o carro na estrada para tomar café e viu que, nos fundos do bar, havia uma briga de galos. Habituado a jogar, quis fazer uma aposta, mas não tinha elementos suficientes para julgar os contendores, um galo vermelho e outro preto. Tomou informações com um espectador que lhe parecia entendido, perguntando qual era o galo bom.

- O preto, respondeu o sujeito, com a convicção de quem era dono da verdade.

O sujeito jogou uma grana forte no galo preto e ficou torcendo pelo contendor que lhe garantiram ser o bom. Contendor que não correspondeu àquilo que chamam de expectativas: foi devidamente surrado pelo galo vermelho, e só não morreu porque o dono jogou a toalha no ringue, tirando-o da luta.

Bem, só restava ao sujeito reclamar da informação recebida.

- O senhor me fez perder dinheiro, dizendo que o galo preto era o bom…

- Foi o que o senhor me perguntou. Agora, o malvado era o vermelho…

Toda a disputa, seja religiosa, política, econômica, esportiva, cultural ou científica, é resumida nessa anedota, que me parece mais do que uma fábula, mas um destino, uma decorrência da condição humana.

Por coincidência, os galos da anedota compunham o mesmo confronto que Stendhal colocou no seu romance mais famoso: “O Vermelho e o Negro”. A lição é a mesma.

Extraído da “Folha de S. Paulo”

Nenhum comentário: