Há alguns meses, surpreendi-me com uma afirmação da
médica e escritora Ana Beatriz Barbosa Silva: O herói de ontem tornou-se o
otário de hoje. Algo fez um “clic” dentro de mim, certa de que ela havia
expressado algo que muitos percebem e poucos conseguem descrever. Onde estão os
heróis? Onde os homens e mulheres cheios de virtudes e coragem? Onde os que dão
a própria vida para salvar outros? Bem, aqui e ali se vê algum, exaltado pelo telejornal
em um “ato humanitário”, mas a maioria, mesmo, aqueles que vivem o dia a dia
longe das câmeras, esses são conhecidos como otários.
Se alguém ouve um grito de “socorro”, logo se
encolhe, ou se joga no chão com medo de bala perdida. Um ou outro mais
corajoso, esconde-se atrás da porta e liga para a polícia do celular. Socorrer,
porém, quase ninguém socorre.
Presencia assalto na rua? Ah! Agora, sim, se faz
algo como antigamente: correr o mais rápido possível. Só que, antigamente, se
corria para ajudar a vítima, agora, corre-se para o lado oposto. Ou alguém vai
ser otário de se meter entre o ladrão e a vítima? Nem pensar! Gritar “pega
ladrão”? Só se for muito otário! Agarrar o braço do cara que está com a mão
dentro da bolsa da senhora que se equilibra no ônibus? Otário!
E socorrer alguém que foi atropelado, assaltado,
jogado no asfalto? Nem pensar! Pode ser um truque para pegar um otário que pare
para socorrer. Dar carona? Pensa que sou otário? Mas, e se for uma carona para
uma senhora idosa que está se arrastando em direção ao posto de saúde? Mas, que
pergunta! Só um otário faria isso. Não vê que é truque para pegar alguma mente
muito embotada? E se for um carro acidentado com alguém ensanguentado fazendo
sinal no acostamento da estrada? Truque, otário. É ketchup e assalto na certa.
Certo dia, um homem foi assaltado e deixado ferido
no meio da estrada. Passaram por ele um sacerdote e um levita, apressados para
chegar à oração, e não foram otários. Não pararam para socorrê-lo. Afinal,
heroísmo tem hora. Quem mandou ser assaltado e ferido logo ali na passagem
deles?
Depois dos dois “homens de Deus”, passou um
antipatizado por todos. Era estrangeiro e nem conhecia o lugar direito. Não
conseguiria, porém, deixar aquele ferido sem socorro. Colocou-o em seu
transporte, cuidou das feridas e ainda arranjou quem cuidasse dele até sua
volta da viagem interrompida. Havia perdido um tempo enorme com aquele bagaço
de homem, mas não se considerou otário. Aliás, nem otário nem herói. Apenas fez
o que gostariam que fizessem com ele.
Uma noite, após um acidente, vi-me na estrada, com
dois irmãos ensanguentados junto a mim e, logo atrás, um boi que havia “voado”
quando pego por nosso carro. Era muito óbvio que havíamos tido um acidente. Eu
e o rapaz, acenávamos para cada carro que passava, tentando conseguir ajuda
para sua esposa, sangrando, encostada ao carro. Ninguém parou. Não sei se você
sabe o que isso significa, mas eu sei. Já fui o ferido a pedir socorro na
estrada.
O segredo certamente é este: fazer aos outros o que
gostaria que fosse feito a você caso estivesse na mesma situação. Ser um irmão, não
um desconhecido, uma máscara na multidão. O herói é irmão, tem nome, endereço,
coração, solidariedade, compaixão. O otário é... bem, um otário, mesmo. Um
egoísta, individualista, sem nome, sem endereço, sem coração, indiferente ao
sofrimento do outro.
O otário está pronto para assistir, impávido, o
outro morrer, desde que salve sua pele. Enche-se de uma covardia bem conhecida,
que vem do egoísmo. O herói está disposto a arriscar a própria vida para ajudar
o outro. Enche-se de uma coragem desconhecida, que vem do amor. Essa é a
definição correta, evangélica, verdadeira do herói. Foi isso o que Jesus fez,
por amor. Infelizmente, foi isso o que esquecemos, a tal ponto que cometemos o
lamentável engano de classificar como otário quem, na mentalidade do Evangelho,
é herói.
por
Emmir Nogueira, Co-Fundadora da Comunidade Shalom
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