Chega uma
hora na vida, quando é preciso ter uma fé e uma esperança como aquela de Maria.
Isso quando parece que Deus já não escuta as nossas súplicas, quando, se diria
que ele desmente, a si mesmo e suas promessas, quando nos faz passar de derrota
em derrota, e os poderes das trevas parecem triunfar em todas as frentes ao
nosso redor, e dentro de nós se faz noite, como naquele dia "sobre toda a
terra" (Mt 27,45). Quando, como diz um salmo, ele parece "ter fechado
na sua ira as suas entranhas e ter esquecido de ter compaixão" (Sl 77,
10). Quando chegar para ti esta hora, lembra-te da fé de Maria e grita como
outros fizeram: "Pai meu, já não te entendo, mas confio em ti!".
Talvez Deus esteja pedindo-nos agora mesmo que lhe sacrifiquemos, como
Abraão, o nosso "Isaac": a pessoa, a coisa, o projeto, a fundação, o
cargo que apreciamos, que o próprio Deus um dia nos confiou e ao qual dedicamos
toda a nossa vida. Esta é a ocasião que Deus nos oferece para mostrar-lhe que
ele nos é mais caro do que tudo, acima também dos seus dons, acima também do
trabalho que fazemos por ele. Deus pôs à prova Maria no Calvário - como pôs à
prova o seu povo no deserto - "para ver o que tinha no coração” (cf. Dt
8,2), e no coração de Maria reencontrou intacto, e até mais forte, o
"sim" e o "amém" do dia da Anunciação. Tomara que, nesses
momentos, ele encontre também o nosso coração pronto para dizer-lhe
"sim" e "amém". Estando "junto da cruz de Jesus",
é como se Maria continuasse repetindo, no silêncio, com os fatos: "Eis-me!
Aqui estou, meu Deus; aqui estou sempre para ti!". Humanamente falando,
Maria tinha todos os motivos para gritar a Deus: "Tu me enganaste!",
ou, como um dia gritou o profeta Jeremias: "Tu me seduziste e eu me deixei
seduzir!" (cf. Jr 20,7), e fugir do CaIvário. Ela, pelo contrário, não
fugiu, mas ficou "de pé", em silêncio, tornando-se assim, de maneira
toda especial, mártir da fé e, seguindo o Filho, testemunha suprema da
confiança em Deus.
Deus disse a Abraão: “Por teres procedido dessa forma e por não me teres
recusado o teu filho, o teu único filho, eu te abençoarei e multiplicarei a tua
descendência... Eu farei de ti o pai de inúmeros povos” (Gn 17,5; 22,16s). A
mesma coisa, e muito mais, diz agora a Maria: Eu te farei Mãe de muitos povos,
mãe da minha Igreja! Todas as famílias da terra serão em ti abençoadas. Todas
as gerações te hão de chamar bem-aventurada!
Por isso, como os israelitas nos momentos de grande provação se dirigiam
a Deus dizendo: "Lembra-te de Abraão, nosso pai", nós podemos dizer:
"Lembra-te de Maria, nossa mãe!". E como eles diziam a Deus: Não nos
retireis vossa misericórdia, em atenção a Abraão, vosso amigo (Dn 3,35), nós
podemos dizer-lhe: Não nos retireis vossa misericórdia, em, atenção a Maria,
vossa amiga.
No Calvário, Maria uniu-se ao Filho na adoração da santa vontade do Pai.
Nisso ela realizou até a perfeição sua vocação de "tipo da Igreja".
Ela agora está ali, esperando-nos. Disseram de Cristo que ele "está em
agonia até o fim do mundo e não devemos deixá-lo sozinho”. E se Cristo está em
agonia e na cruz até o fim do mundo, de maneira para nós incompreensível mas
verdadeira, onde pode estar Maria senão com ele, "junto da cruz"? Ali
ela convida e marca encontro com as almas generosas, para que se unam com ela
na adoração da santa vontade do Pai. Adorar esta vontade, mesmo sem entendê-la.
Não pode ser deixada sozinha. Maria sabe que esta é a coisa absolutamente
maior, mais bela, mais digna de Deus que possamos fazer na vida, pelo menos uma
vez antes de morrer. Algo que não nos desobriga nem nos afasta da procura de
alívio para os sofrimentos concretos dos que sofrem ao nosso redor e no mundo
inteiro; pelo contrário, torna-nos até mais atentos a isso, porque unidos ao
coração de Deus. Exatamente porque é "mãe das dores", Maria é também
"consoladora dos aflitos".
Está escrito que quando Judite voltou, depois de ter arriscado a vida
pelo seu povo, os habitantes da cidade correram ao seu encontro e o sumo
sacerdote abençoou-a dizendo: “Tu és bendita do Senhor; Deus Altíssimo, minha
filha, entre todas as mulheres da terra... jamais os homens cessarão de celebrar
o teu louvor” (Jt 13,18s). Nós dirigimos a Maria as mesmas palavras: Bendita és
tu entre as mulheres! A coragem que tiveste jamais desaparecerá do coração e da
lembrança da Igreja!
Frei Raniero
Cantalamessa
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