Não é coisa de
todos os dias que um bispo da Igreja Católica se envolva num acidente de
trânsito, ainda mais quando o resultado é uma vítima fatal. Infelizmente, foi o
que aconteceu comigo. Sendo que alguns amigos expressaram o desejo de saber
como vivo essa experiência, coloco-a por escrito, pedindo a Deus que a
transforme em sabedoria e comunhão.
Eram as 21,30
horas do dia 18 de outubro de 2012 – exatamente três meses atrás. Chovia e a
pista estava escorregadia. Eu regressava a Dourados depois de me haver reunido,
em Rio Brilhante, com as lideranças pastorais da paróquia. Apesar do mau tempo,
foram numerosas as pessoas que se fizeram presentes (algumas haviam percorrido
70 km em estradas lamacentas).
Eu voltava com
o coração agradecido por todo o bem que percebia sendo realizado por uma
multidão de pessoas que, fiéis a Deus e amando a Igreja, arregaçam as mangas e
atuam eficazmente por um mundo melhor. Por isso, passei a maior parte da viagem
acompanhando o rosário transmitido pela Rádio Coração.
Sendo uma
noite chuvosa, pensei comigo mesmo:
«Vou com calma! Não preciso ter pressa! É melhor perder um minuto na vida do
que a vida num minuto!». Assim, durante os 40 quilômetros que
percorri antes do infortúnio, não ultrapassei nenhum carro.
Poucos minutos
após cruzar pelo distrito de Cruzaltina, de repente percebo um vulto à minha
frente. Nem deu tempo para distinguir se se tratava de um animal ou de uma
pessoa. A chuva colaborou para a confusão. O corpo caiu sobre o parabrisa. Foi
tudo tão rápido quanto improviso. Sem saber o que fazer, parei imediatamente no
meio da pista. Saindo do carro, vi, caído no acostamento, um jovem de uns 25/30
anos.
Não posso
negar: foram os momentos mais cruciais da minha já não breve vida, que me
fizeram lembrar da dor e das trevas de Jesus no Calvário: «Meu Deus, por que me
abandonaste?» (Mt 27,46). Dor e trevas, porém, que foram amenizadas
pela rapidez com que Deus se fez presente através de motoristas e outras
pessoas que, apesar da chuva e do horário, venceram a tentação da pressa e do
medo e me socorreram. Uma solidariedade que me ajudou a recobrar a serenidade,
a retribuir amor com amor e a substituir a amargura pela confiança, a exemplo
de Jesus que, entre as trevas da agonia, repetiu: «Pai, em tuas mãos entrego a minha vida!»
(Lc 23,46).
O rapaz – que
mais tarde eu soube tratar-se de Douglas Campos de Santana, residente em
Itaporã – foi levado a um hospital de Dourados, mas veio a falecer poucos
minutos após a sua chegada. Seu funeral, realizado no sábado, foi acompanhado
por numerosos fiéis da Igreja Católica, que procuraram consolar e animar uma
mãe que, depois de ter perdido o marido há alguns anos, agora lhe era tirado
também o filho.
No sábado
seguinte, mantive um encontro com ela, num almoço oferecido por uma família
amiga. Soube, então, dos percalços que, há tempo, transtornavam a vida do
Douglas e o levavam a se perguntar se valia a pena viver. Dois motoristas que
passaram pelo local do acidente poucos minutos antes de mim, precisaram fazer
manobras arriscadas para não atropelá-lo.
Antes do
acidente, eu me perguntava como é que se sentem as pessoas que carregam no
coração a dor de terem causado a morte de alguém... Talvez Deus permitiu que eu
fosse incluído nesse número para me ajudar a ser menos precipitado em meus
julgamentos, já que nem todo acidente é fruto da bebida, do excesso de
velocidade ou do desrespeito às leis de trânsito. Ou, para que eu aprenda, com
Jó, a «receber de
Deus não somente os bens, mas também os males» (Jó, 2,10). Ou,
ainda, para me fazer conhecer pessoas maravilhosas que me demonstraram
compreensão e apoio, a começar pela mãe do Douglas, que viu em mim «um anjo da noite enviado por
Deus para levar seu filho ao céu». Palavras que me soaram como um
apelo de Deus para introduzir também em Dourados, uma Diocese onde são centenas
as vítimas ceifadas pelo trânsito todos os anos, o Grupo Ecumênico “Filhos no Céu”,
nascido na Itália em 1991, para agrupar, confortar e amparar as famílias que
têm filhos morando no céu.
Quem consegue
transformar a dor em amor, faz sua a experiência que levava São Paulo a
garantir: «Tudo
concorre para o bem dos que amam a Deus» (Rm 8,28). Até mesmo um
acidente de trânsito...
Dom Redovino Rizzardo, Bispo de Dourados (MS)
Nenhum comentário:
Postar um comentário