“É de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades,
roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes,
devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más
saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem” (Mt 7,21-23)
O evangelho nos regala com um dos trechos mais significativos de Marcos:
a discussão sobre o que é impuro (Mc 7, 1-23). Os discípulos se
puseram a comer sem lavar as mãos. Mas lá estavam alguns vizinhos piedosos, da
irmandade dos fariseus, acompanhados de professores de teologia (escribas),
vindos da capital, de Jerusalém. Logo se intrometeram, dizendo que é proibido
comer sem lavar as mãos (como também se deviam lavar as coisas que se comprava
no mercado, os pratos e tigelas, e tudo o mais). Mas Jesus acha tudo isso
exagerado, sobretudo porque dão a isso um valor sagrado.
Na realidade, a piedade de Israel era relativamente simples.
Religião complicada era a dos pagãos, que viviam oferecendo sacrifícios e
queimando perfumes para seus deuses, cada vez que desejavam alguma coisa ou
queriam evitar um castigo. Mas a religião de Israel era sóbria, pois só
conhecia um único Deus e Senhor. Consistia em observar o sábado, oferecer
uns poucos sacrifícios, pagar o dízimo, e sobretudo, praticar a lealdade (amor
e justiça) para com o próximo. Moisés já tinha dito que não deviam
acrescentar nada a essas regras simples, admiradas pelos outros povos
(1ª. leitura). E Tiago – o mais judeu dos autores do Novo
Testamento - diz claramente: “Religião pura e sem mancha diante de
Deus e Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas dificuldades e
guardar-se da corrupção do mundo” (Tg 1,27; 2ª. leitura).
Mas, no tempo de Jesus, os ”mestres da Lei” tinham perdido
esse sentido de simplicidade. Complicaram a religião com observância que
originalmente se destinavam aos sacerdotes. Clericalizavam a vida dos
leigos. Queriam ser mais santos que o Papa! Chegavam a dizer que
era mais importante fazer uma doação ao templo do que ajudar com esse dinheiro
os velhos pais necessitados. Inversão total das coisas. Ajudar o pai e a
mãe é um dos Dez Mandamentos…. Declaravam também impuras um montão de coisas.
No templo, tudo bem, o bezerro ou o cordeirinho a serem oferecidos têm que ser
bonitos, puros, sem defeito. Mas no dia-a-dia, come o que tem e do
jeito como pode. Sobretudo, a gente pobre, os migrantes, como eram os
amigos de Jesus. Contra todas essas invenções piedosas, Jesus se inflama.
Não é aquilo que entra na gente – e que é evacuado no devido lugar
– que torna impuro, mas a malícia que sai de sua boca e de seu coração (Mc 7,
18-23).
Jesus quis sempre ensinar o que Deus quer. A Lei era uma
maneira para “sintonizar” com a vontade de Deus. E Jesus respeita a Lei,
melhorando-a para torná-la mais de acordo com a vontade de Deus,
que é o verdadeiro bem do ser humano. Isso é o essencial. O demais deverá estar
a serviço do verdadeiro bem da gente e não o impedir. A verdadeira
sintonia com Deus, a verdadeira piedade é o amor a Deus e a seus filhos e
filhas. Práticas piedosas que atravancam isso são doentias e/ou
hipócritas.
Johan Konings, S.J., www.franciscanos.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário